Por Julia Duailibi - Globonews
A discussão sobre "tentativa" e "atos preparatórios" de golpe deve movimentar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete réus acusados de arquitetar um golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante o julgamento, o ministro Luiz Fux se mostrou preocupado com a dosimetria - o tempo das penas após condenação - e levantou dúvidas sobre o que chamou de ato executório do golpe.
Ao aceitar a denúncia e tornar Bolsonaro réu, os cinco ministros da 1ª turma do STF entenderam que houve uma tentativa de golpe. Com base nas provas obtidas durante a fase de investigação, vai depender da interpretação dos ministros sobre "tentar" ou "cogitar" a realização de um golpe de Estado, de acordo com Pierpaolo Bottini, advogado criminalista e professor de Direito penal da Universidade de São Paulo (USP).
"O ponto central do debate será a interpretação da tentativa nesses crimes. Em regra, a tentativa tem pena reduzida. No entanto, nos crimes contra a democracia, a pena da tentativa é a mesma do crime consumado. Isso ocorre porque, se o golpe tivesse sido consumado, não haveria punição — afinal, os responsáveis estariam no poder", disse ao "GloboNews Mais".
Caso os réus sejam condenados, a lei brasileira prevê punições diferentes para uma tentativa ou para um crime consumado. Por outro lado, cogitação e preparação não são puníveis.
Bottini explica dando como exemplo as fases de um crime. "A primeira [fase] é a cogitação: a pessoa pensa em cometer o crime. A segunda é o ato preparatório, que ocorre quando alguém adquire veneno ou uma arma, por exemplo, mas ainda não iniciou a execução. Ou seja, o 'bem jurídico' [a vítima, no caso] ainda não foi colocado concretamente em perigo. A terceira fase ocorre quando a execução do crime começa — e é a partir desse momento que se configura a tentativa."
A lei define "tentativa" como o momento em que o indivíduo inicia a execução do crime, mas que, por razões alheias à sua vontade, não consegue concluí-lo. "Por exemplo, alguém pega uma arma e começa a atirar ou coloca veneno em um copo. Nesse ponto, já houve a execução. Se o crime se consuma — se a pessoa morre envenenada, por exemplo —, temos o crime consumado", explica o criminalista.
O crime passa a ser punível, diz Bottini, quando a execução começa e que, a partir desse ponto, configura-se tentativa. "A grande discussão, portanto, gira em torno dessa fronteira: quando começa a execução de um crime contra o Estado Democrático de Direito? A denúncia aponta o que entende ter sido o início da execução, argumentando que havia um plano para desacreditar as urnas, gerar convulsão social, promover uma intervenção e declarar o golpe."
Para o criminalista, houve a disseminação de desinformação sobre as urnas, elaboração de minutas golpistas, discussões no alto comando e diversos atos de desestabilização institucional o que, segundo ele, "tudo isso indica, ao menos em tese, um início de execução (...), quando a minuta [do golpe] é apresentada, o agente já está inserido nesse contexto de ação e execução. Mas essa é uma questão que será debatida ao longo do julgamento."
Ministro Luiz Fux sinaliza divergência que vai pautar debate
O ministro do STF Luiz Fux sinalizou uma divergência aos demais colegas no julgamento da denúncia, demonstrando incômodo com a dosimetria nas penas dos envolvidos e por conta de, na opinião dele, não haver o que ele chama de ato executório em uma tentativa de golpe.
Chegou a dizer que "debaixo da toga bate o coração de um homem."
"Tenho absoluta certeza que, se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado. Tenho impressão de que haveria arguições de constitucionalidade. Jamais se admitiria que a tentativa fosse considerada crime consumado. Mas está cumprindo o princípio da legalidade", disse o ministro no início do voto.
"É possível que haja o mesmo fato, coincidência de ambas as normas. Mas também é possível que, no curso da instrução, se chegue à conclusão de que há, na verdade, um conflito aparente", seguiu.
Durante o julgamento, ele indicou que pretende revisar a eventual pena de Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a estátua "A Justiça", localizada em frente à sede da Corte, durante os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ela pode pegar 14 anos de prisão.
“Eu quero analisar o contexto em que se encontrava essa senhora”, declarou o ministro, ao sugerir uma possível revisão da dosimetria da pena, ou seja, da análise do tempo de prisão a ser aplicado em cada caso.
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