Segunda-Feira, 28 de abril de 2025

Postado às 17h00 | 28 Abr 2025 | redação Procurador quer a retirada de homenagens à ditadura militar no Rio Grande do Norte

Na lista do MPF-RN, pelo menos 80 ruas, praças e outros espaços públicos dessas cidades levam o nome de ex-presidentes militares ou fazem referência à data do golpe de 1964: 31 de março. A recomendação direcionada ao estado, Assembleia e prefeituras

Crédito da foto: Reprodução Procurador Emanuel Ferreira

Da Redação do Jornal de Fato

O Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte (MPF-RN) quer que o Estado e municípios retirem todas as homenagens feitas à ditadura miliar e a colaboradores diretos do regime de exceção, que durou duas décadas, entre 1964 a 1985. A recomendação foi feita nesta segunda-feira, 28, direcionada ao Governo do RN, Assembleia Legislativa, prefeituras e câmaras municipais de 10 cidades potiguares.

Na lista do MPF-RN, pelo menos 80 ruas, praças e outros espaços públicos dessas cidades levam o nome de ex-presidentes militares ou fazem referência à data do golpe de 1964: 31 de março. A iniciativa da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) abrange, por enquanto, apenas parte das homenagens indevidas já identificadas em território potiguar.

Segundo levantamento do MPF, há pelo menos 542 prédios, salas, auditórios, centros culturais, escolas, vias, bairros, monumentos e bens públicos que se enquadram nessa situação. As 11 recomendações dizem respeito somente a municípios cuja atuação cabe à PRDC na capital.

Mossoró está na lista do MPF-RN, que cita as Escolas Estaduais “Marechal Castelo Branco”, no bairro Alto de São Manoel; “Presidente Geisel”, no Bom Jardim; e Presidente Médici, no bairro Santo Antônio. Porém, essas unidades de ensino público não existem mais.

No entanto, Mossoró tem vários logradouros públicos que recebem nomes de ex-presidentes do regime militar. É caso da primeira ponte construída sobre o rio Mossoró, que cruza o centro da cidade, que tem como patrono o ex-presidente Castelo Branco.

O MPF-RN diz que apesar do número já alto, a quantidade de homenagens pode ser ainda maior. As recomendações estipulam 90 dias para prefeituras, governo do estado, câmaras municipais e Assembleia Legislativa apresentarem um estudo com levantamento de todos os locais públicos, em suas áreas de atuação, cujos nomes contenham referências, elogios ou homenagens a colaboradores da ditadura militar.

O prazo para que esses locais tenham seus nomes modificados é de 120 dias e, em 180 dias, os entes públicos deverão apresentar ainda relatórios contendo o nome de todas as pessoas mortas, desaparecidas ou torturadas durante o período militar em seus municípios. Com essas informações, os casos envolvendo outras regiões do estado serão encaminhados aos procuradores da República responsáveis, para que estes avaliem a adoção das medidas cabíveis.

Caso as recomendações não sejam atendidas, o MPF poderá ingressar com ações judiciais contra os gestores.

Autoritarismo

Manter elogios ou homenagens a colaboradores da ditadura militar - aponta o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Emanuel Ferreira - favorece a “naturalização e a aceitação de um período autoritário, promovendo continuidades que normalizam tentativas de golpe ainda hoje no Brasil”. Ele ressalta que é necessário preservar a memória sobre esse período, mas principalmente disseminando o conhecimento sobre as condutas criminosas de seus agentes, para evitar que se repitam.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já proibiu uso de recursos públicos em comemorações relativas ao golpe de 1964, e a PRDC entende que a manutenção das homenagens em espaços públicos pode configurar ato de improbidade administrativa.

 

Recomendação é desdobramento de audiência pública na Uern

O envio das recomendações foi um dos desdobramentos da audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), em Mossoró, no dia 2 de abril. O evento tratou da espionagem realizada pelo antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) em universidades da cidade no período militar.

Durante a ditadura militar no Brasil, houve graves violações aos direitos da população, como homicídios, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres, torturas e estupros. A democracia, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e outros princípios fundamentais foram atacados e suprimidos, violando a Constituição Federal e diversos tratados internacionais.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) registrou, em seu relatório final, a confirmação de pelo menos 434 mortes e desaparecimentos de vítimas do regime militar, em nível nacional. Esses números dizem respeito apenas aos casos comprovados, não correspondendo ao total de mortos e desaparecidos na época.

As recomendações do MPF no Rio Grande do Norte alinham-se a uma das propostas da CNV, que também defendeu a revogação de homenagens a autores das graves violações de direitos humanos durante o período da ditadura.

 

Universidade revoga títulos concedidos a ex-presidentes militares

Antes da recomendação do Ministério Público Federal, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) decidiu revogar as resoluções que concederam o título de Doutor Honoris Causa ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco, em 1966, e ao general Emílio Garrastazu Médici, em 1971, que foram presidentes do Brasil durante o regime militar. A decisão foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário (CONSUNI).

A reunião do Consuni, realizada na sexta-feira, 25, foi acompanhado por representantes do movimento estudantil, parlamentar, docente e da sociedade civil, que parabenizaram a instituição pela iniciativa.

As propostas de revogação foram encaminhadas ao Consuni pelo reitor da UFRN, José Daniel Diniz Melo, que baseou as justificativas a partir dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão da Verdade da UFRN. Os documentos apontam análises, esclarecimentos e relatos que identificam pessoas “cujas condutas concretas, por ação ou omissão, contribuíram para a ocorrência das graves violações de direitos humanos”, conforme o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que coloca o marechal Castello Branco em primeiro lugar nessa lista de autores.

Além disso, o governo do general Emílio Médici é apontado como a época mais obscura dos governos militares no Relatório da Comissão da Verdade da UFRN, em que o medo permanente “fazia com que as pessoas evitassem determinados posicionamentos mais ostensivos”, segundo relato do professor Geraldo Queiroz, reitor da UFRN entre 1991 e 1995.

Em 2024, a UFRN também revogou 33 atos normativos editados na universidade de 1964 a 1984, assim como concedeu a outorga simbólica de títulos a estudantes mortos durante o período da ditadura militar.

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