Terça-Feira, 11 de fevereiro de 2025

Postado às 08h00 | 18 Ago 2019 | Redação "Propomos um modelo de resultado e vem dando certo", afirma secretário de Tributação

Entrevistado no Cafezinho com César Santos, o secretário Abraão Padilha afirma que a gestão da prefeita Rosalba Ciarlini reequilibrou as contas públicas e que o município recuperou capacidade de endividamento. Ele também fala sobre reforma tributária

Crédito da foto: Marcos Garcia/JORNAL DE FATO Auditor fiscal Abraão Padilha é o secretário de Tributação de Mossoró

Por César Santos e Maricelio Almeida/JORNAL DE FATO

Auditor fiscal do Rio Grande do Norte, mestre em Gestão Pública e especialista em Direito Tributário e Direito em Cidadania, Abraão Padilha de Brito exerce a titularidade da Secretaria da Fazenda de Mossoró desde janeiro de 2017. Coube à pasta que chefia, em um trabalho conjunto com outras secretarias, uma das missões mais difíceis da atual gestão da prefeita Rosalba Ciarlini: recuperar a saúde fiscal do Município.

Passados dois anos e sete meses de um trabalho intenso, a gestão conseguiu equilibrar suas receitas e despesas, atualizar os salários dos servidores, concedendo inclusive reajuste linear a todas as categorias e, principalmente, recuperar a capacidade de endividamento, o que permite ao Município contrair operações financeiras com instituições externas.

No Cafezinho Com César Santos desta semana, o secretário Abraão Padilha destaca o processo de recuperação fiscal do Município e fala ainda sobre o projeto de reforma tributária, que deve ser enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional nas próximas semanas. Acompanhe.

O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, previu que em duas semanas o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentará a proposta de reforma tributária do Governo Federal. Atualmente, tramita na Comissão Especial da Câmara já a proposta do deputado Baleia Rossi (MDB/SP), tendo uma outra proposta em análise pelos deputados e ainda há um texto que está sendo desenvolvido pelos Estados. Como o senhor imagina a convergência desses textos para buscar a melhor reforma tributária para o país?

A reforma proposta pelo Governo Federal ela tira do processo os outros entes, os Estados e Municípios, porque ela centra a unificação de tributos só nos tributos federais, IPI, PIS, Cofins, isso talvez não seja realmente a solução para o problema tributário brasileiro. Já a proposta do Baleia Rossi, elaborada pelo Eurico de Sant, do Centro de Cidadania Fiscal, ela é tecnicamente mais completa, claro que precisa de aperfeiçoamentos. Por que ela é mais completa? Porque ela adapta para a realidade brasileira um modelo que é utilizado em quase todo o mundo, exceto Estados Unidos, mas a Europa toda utiliza o modelo do IVA, que é o Imposto sobre Valor Adicionado, e ele transporta essa ideia do IVA para o modelo nosso. É um tributo sobre o consumo, que ele chama o IBS, e esse tributo vai englobar o PIS, Cofins, todos os tributos que incidem sobre consumo no Brasil, o ICMS e o ISS. O ICMS é o mais complexo de todos, e o que demanda até uma maior contenciosidade. Então, reunindo todos esses tributos, ele fez que a proposta, no meu entender, seja mais robusta.

 

O PONTO mais problemático da discussão certamente vai ser o IVA. Temos países que tentam implantar esse imposto e não conseguem, como Índia, Alemanha. O senhor acha que essa proposta pode vingar no Congresso e junto ao Governo?

ESSA proposta vinga se tiver algumas condicionantes. A proposta do Governo parece mais ou menos com a da PEC 45, a ideia central de unificação, de desburocratização é a mesma. Então, ela pode ser concebida pela 45, eu já escutei isso inclusive de (Marcos) Cintra, pode-se haver uma convergência de propostas. Os Estados têm pontos divergentes com a PEC 45. Um exemplo: a PEC 45 prevê a criação de um comitê gestor que seria, vamos dizer assim, dirigido pela União. Os Estados não têm uma boa experiência de comitê gestor dirigido pela União, e queriam um comitê dirigido pelos próprios Estados e Municípios. Outra situação: o ICMS tem um problema muito grande de corrosão de base: o mundo está direcionado para os serviços, a base econômica do mundo hoje está sendo direcionada para os serviços. O ICMS tem como base mercadorias. Então, por exemplo: o DVD que eu comprava, eu não compro mais, eu compro um serviço, e esse serviço é uma base de outro tributo, que é o ISS dos Municípios. Outro exemplo: a geração de energia, que hoje se tem muito popularmente a geração de energia domiciliar, ela representa uma corrosão tremenda nas receitas dos Estados no momento em que boa parte da população gerar a sua energia, porque não vai ter incidência de ICMS. Então, esse é um problema que os Estados visualizam.

O IVA, incluindo Estados, pode ser visto como inatacável sob o ponto de vista conceitual, porém há especialistas que acham que essa proposta teria vida curta, devido à inadequação desse tributo à realidade. Como o senhor vê essa questão?

OS ESPECIALISTAS que comentam, mas não vivenciam o que está acontecendo com a tributação hoje, não têm uma visão operacional do negócio. O IVA, no modelo que se quer implementar, não é nada mais do que o Simples Nacional, em que o contribuinte recolhe, em um único documento de arrecadação, diversos tributos de diversos entes. Uma empresa que vende produto e presta serviço, ela vai pagar no Simples Nacional os tributos federais, o ICMS estadual e o ISS municipal, tudo isso num único boleto, numa simplificação total. É uma questão operacional. Acho que a tecnologia evoluiu para que seja possível se ter um tributo de cobrança simplificada e repartição diferenciada, não vejo nenhum problema quanto a esse ponto.

 

O ICMS, pelo fato de ser o que mais arrecada no país, é visto como um símbolo da guerra fiscal. Por sua complexidade, certamente vai centralizar muito o debate em torno da reforma tributária. Como o senhor acha que esse problema vai ser atacado dentro desse debate?

QUAL é o problema maior do ICMS? O ICMS tem um problema de nascimento, de origem. Quando ele nasceu, os estados do Sul e Sudeste, que concentravam o meio de produção de mercadorias, ficaram com a fatia muito boa dele. Hoje, a arrecadação é mais lá. Nós do Nordeste, Norte e o Centro-Oeste ficamos com a fatia menor. Como eu vou competir chegar para o empresário e dizer: ‘Olhe, coloque a sua indústria lá no Rio Grande do Norte, lá em Mossoró e deixe de colocar em São Paulo’? Como ele não vai colocar em São Paulo, se lá tem o mercado consumidor, matéria-prima, o recurso para se comprar a mercadoria? O que ele faz? Ele diz: ‘Quanto é que você me dá de benefício fiscal para eu levar para o Rio Grande do Norte?’. Aí, os Estados do Norte, Nordeste e Centro Oeste só atraem empresa, só há desenvolvimento econômico se a gente conceder benefício fiscal.

INCLUSIVE, hoje há uma disputa entre os próprios Estados do Nordeste...

ISSO. Ao longo do tempo, foi gerado essa sistematização de benefícios fiscais e, com a evolução do tempo, começou a competição inclusive dentro dos Estados da região Nordeste, e isso criou um ambiente que não é fácil de resolver, mas também não é fácil de equacionar o desenvolvimento regional. Como é que vou desenvolver o Nordeste? Industrializar esse “país” que chama Nordeste? É isso que os Estados colocam na mesa. Se a gente quiser uma reforma que realmente unifique a legislação, que seria nacional, do caso do IBS, nós temos que discutir também o desenvolvimento regional, quais serão as outras políticas de desenvolvimento regional, porque se for simplesmente mudar a forma de tributação, não passa 10 anos que todas as empresas vão voltar lá para suas origens, para o mercado consumidor, e aqui vai ficar sem empresa e sem emprego.

 

PARECE-NOS que antes da Constituição de 1988, os Estados tinham uma participação maior, uma fatia maior no bolo fiscal do país. Após isso, houve uma queda brutal nas receitas dos Estados e Municípios. Mais recentemente, no início do governo Lula, ele buscou muito centralizar as receitas na União e, a partir daí, passou a distribuir as receitas, em doses homeopáticas, para os Estados. Essa é, talvez, a razão maior do desequilíbrio fiscal nos Estados e, por consequência, nos Municípios?

ATÉ a Constituição de 1988, a formatação da distribuição do bolo tributário era bem interessante. Os Estados, Municípios e União ficavam com um percentual interessante. O que foi que aconteceu? Os impostos que compõem o Fundo de Participação dos Estados e Municípios são IPI e Imposto de Renda, e o Governo Federal começou, a partir de 1988, a criar um monte de contribuições, e o que era interessante dessas contribuições, elas não iam para o bolo de distribuição. Então, o Governo começa a centralizar a arrecadação, no momento seguinte, ele, além de ter uma concentração em forma das contribuições, começa a dar benefício fiscal justamente no IPI e IR das empresas. Então, você diminui novamente o bolo que é repartido, e aí hoje a gente tem uma concentração tremenda. Enquanto a União fica com 22% do PIB, os Estados ficam com 8,34% e os Municípios com 2,03%.

 

O SENHOR citou o IPI, que é outro recordista de alíquotas. O seu regulamento possui 500 páginas, é bem complexo. Como esse imposto vai ser debatido dentro da reforma tributária?

A PROPOSTA do IBS reúne o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. São os cinco tributos que vão compor o IBS. Então, ele vai fazer parte do bolo. Esse assunto começou a ser discutido agora. Então, pouca gente entende como vai ser essa repartição. Qual é a ideia: suponha que toda operação de venda de mercadoria, de prestação de serviço ela tenha uma alíquota unificada, essa alíquota nacional seria em torno de 25%, que é o que consta na proposta, percentual que a empresa, o contribuinte iria recolher no seu documento de arrecadação. Desses 25%, 9,2% iriam ser gerenciados pela União, 13,8% pelos Estados e 2% pelos Municípios. Esses 9,2% da União são o que correspondem mais ou menos hoje a arrecadação do PIS, Cofins, IPI, os 13,8% dos Estados correspondem ao ICMS e os 2% dos Municípios ao ISS.

A GENTE costuma afirmar que em um país com a carga tributária como a que o Brasil tem, é quase impossível se acreditar ou se esperar um desenvolvimento. É bem verdade que a carga tributária do Brasil é grande, mas é 14° em todo o mundo nesse ranking da carga tributária. Porém, nós temos países como a França, por exemplo, o 8° no ranking, como um país bem desenvolvido. É ilusão dizer que a carga tributária emperra o crescimento do país ou é a forma como esses recursos são distribuídos que não deixa o país crescer?

A GENTE quando olha para o dado mais técnico, sempre olha para os países da OCDE, que é um grupo de 36 países desenvolvidos, com economia, com democracia. O Brasil tinha em 2016, conforme estudo do OCDE, uma carga tributária de 32,3%. A média da OCDE é de 34%. Então, o Brasil está abaixo dessa média. Tem outra conta também que a OCDE faz, que é a questão da carga social. Quanto da carga tributária é direcionado ao gasto social? O Brasil também não fica muito distante, gastando 20,7% do PIB no social; os países da OCDE gastam 21,1%. Na minha visão, o maior problema do Brasil está na saída, na qualidade do gasto. Não existe possibilidade de reduzir a carga tributária, na minha visão, porque temos uma demanda social muito maior do que a minha capacidade de arrecadação, o que arrecadamos hoje não chega a suprir nem 70% das demandas sociais. Então, como eu vou falar em ter menos dinheiro? Todo empresário, quando não é gestor, fala que a carga tributária é alta; quando ele se transforma em gestor, vê o quanto que falta de recurso. As propostas de reforma não falam em redução de carga tributária.

 

ENTÃO, a reforma não vai promover uma desoneração para o contribuinte?

NÃO. Essas propostas pretendem desburocratizar, criar um ambiente de negócio mais fácil. Economicamente, isso pode ter repercussão, porque pode tirar as distorções dos segmentos, já que há segmentos em que a carga é muito alta e outros cuja carga é baixa. A ideia é equilibrar, todos pagarem da mesma forma. No segmento da agricultura, por exemplo, a carga é baixíssima, já no da construção civil não é tão baixa. Então, a questão é igualar, e aí você termina tendo uma arrecadação no mesmo patamar, e na economia, no geral, você tem uma distribuição mais equânime desse custo.

VAMOS trazer um pouco da conversa agora para Mossoró. A atual gestão municipal, quando assumiu, encontrou a saúde fiscal na UTI, a cidade estava devastada do ponto de vista fiscal. Qual a situação fiscal do Município hoje?

QUANDO a prefeita iniciou o mandato em 2017, nós tínhamos entre duas e três folhas em atraso, tínhamos um passivo de terceirizadas, combustível e correios, um passivo total que chegava perto de R$ 200 milhões. Nesses quase três anos, eu acredito que nós fomos o único município potiguar que em 2019 está pagando rigorosamente em dia e, ainda assim, deu um aumento linear para todas as categorias de 3.75%. Eu não vi um fato desse em nenhum dos Municípios do Rio Grande do Norte. O Estado tem folha atrasada, e quem não tem folha atrasada nem se cogita aumento, e aumento linear para todas as categorias? Não existe. A nossa folha de pessoal, no último quadrimestre de 2016, era em 56,19% das nossas receitas correntes líquidas. No quadrimestre mais recente de 2019, nós baixamos para 51,71%. Isso também mostra essa arrumação da Casa. Não é um momento fácil de se administrar; é um momento difícil, com poucas receitas, poucas transferências e muitas demandas. Nós baixamos o orçamento, que antes era orçamento em R$ 700 milhões, para a nossa realidade, de R$ 500 milhões. Para você ter ideia, a receita própria do Município foi a única entre as receitas principais que teve um impacto significativo.

 

EM quanto?

QUANDO chegamos em 2017, a receita própria era menor do que o FPM. Muito menor. Em 2016, foi 18%. Em 2018, a nossa receita própria superou em 7% o FPM. Então, hoje nós somos muito mais importantes para o Município do que o Fundo de Participação. Nós crescemos nossas receitas próprias em 13% em 2017 e 17% em 2018. Neste ano, nós temos uma projeção entre 13% e 15%, isso sem aumento de carga tributária.

 

COMO foi possível essa ampliação?

A GENTE propôs um novo modelo de gestão, com o que se tem mais aperfeiçoado na gestão pública, que é a gestão com resultados. Você foca no resultado e cria condições para que aquele resultado aconteça. Você trabalha com planejamento de médio e longo prazo, trabalha com ações estratégicas, trabalha olhando para os setores, segmentos que podem te dar uma arrecadação mais interessante, e fiscaliza com mais efetividade, você aperfeiçoa a sua uma base imobiliária de arrecadação. Em 2017, tivemos um bom impacto do IPTU, quando se teve o georreferenciamento, nós colocamos na nossa base quem não estava, mas o nosso carro-chefe é sempre o ISS, é o nosso tributo que mais cresce e que nos dá esse ganho de arrecadação.

O QUE a recuperação do poder de endividamento pode possibilitar para um Município?

ESSA recuperação do poder de endividamento é muito boa para qualquer Município, porque pode possibilitar a captação de recursos externos, e hoje todos os entes da Federação vivem de captação de recursos externos. Por quê? Porque o gasto com pessoal e com o dia a dia da máquina consome quase toda a arrecadação dos Municípios. Qual é a fórmula, então? Buscar recursos para investimentos é a forma que se tem para se ter obras no município.

 

ISSO significa que o Município está apto a buscar financiamento com operações financeiras em instituições bancárias?

ESTÁ. Está se adequando para isso, para buscar esse financiamento. Graças a Deus, a gente conseguiu superar esse estágio de não enquadramento.

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