Faltando menos de um ano para as eleições de 2020, que terão o seu primeiro turno realizado no dia 4 de outubro, os pretensos candidatos precisam ficar atentos. Mudanças significativas serão colocadas em prática pela primeira vez no ano que vem, caso, por exemplo, do fim das coligações proporcionais. Cada partido precisará compor a sua própria nominata à Câmara Municipal, totalizando 32 candidatos. Não é uma tarefa fácil, por isso algumas legendas já começaram a se articular.
Sobre esse e outros assuntos, o quadro “Cafezinho com César Santos” desta semana traz uma entrevista com Francisco Márcio Oliveira, chefe de cartório da 34ª Zona Eleitoral de Mossoró.
Na conversa a seguir, Márcio Oliveira aborda ainda pontos como as chamadas candidaturas “laranjas”, detalha regras da propaganda eleitoral, fala sobre a estrutura física do Fórum Celina Guimarães, que foi construído para abrigar duas zonas eleitorais e hoje comporta quatro, e faz um alerta importante aos futuros candidatos. Acompanhe.
Estamos a menos de um ano das eleições municipais de 2020 e, até aqui, curiosamente, o Tribunal Superior Eleitoral ainda não divulgou o calendário eleitoral para o pleito do próximo ano. Esse retardamento preocupa ou está dentro da previsão?
Até as últimas eleições, esse calendário saía faltando muito mais de um ano das eleições, só que os prazos que vinculavam um ano antes deixaram de existir, que é o de filiação partidária e de transferência de domicílio. Então, eu imagino que o TSE, em função de não ter esse prazo peremptório de um ano, terminou relaxando, mas essas resoluções têm que sair todas até dezembro do ano anterior à eleição. Acredito que o TSE já deve estar liberando esse calendário oficial, agora é bom lembrar que o TSE não cria prazos; ele, na verdade, faz uma compilação de todos os prazos que a legislação já traz. O calendário é interessante, porque você tem todas essas datas, esses prazos compilados em único local. O próprio TSE disponibiliza uma linha do tempo, em que você vai vendo por mês os prazos que estão vencendo em cada período, mas dessa vez ainda não saiu. Mas, eu não vejo como preocupante, até porque todos os prazos, independentemente de o TSE publicar ou não, eles já estão valendo, como por exemplo transferência de domicílio: 150 dias antes. Então, vai até o dia 6 de maio do ano que vem. Mesmo que o TSE não defina isso no calendário, nós já conhecemos essa data. O período de convenções partidárias será de 20 de julho a 5 de agosto. A necessidade de registro de pesquisa, a partir de 1° de janeiro. A necessidade de alguém que trabalhe em rádio ou TV e que pretende ser candidato, não pode participar de programa depois de 30 de junho, ou seja, todos esses prazos, a legislação já prevê.
ALGUMAS mudanças no sistema eleitoral foram definidas e começaram a valer nas eleições de 2018. Essas mudanças vão gerar impacto nas eleições municipais pela primeira vez a partir de 2020. Na visão do senhor, qual mudança será mais impactante nesse processo?
EU VEJO o fim das coligações partidárias para as eleições proporcionais. Essa é uma mudança que foi inserida na própria Constituição, através da emenda constitucional 97/2017, que tinha como objetivo fortalecer os partidos políticos e, ao mesmo tempo, tentar diminuir a quantidade de partidos existentes no Brasil. Na época, havia 36 partidos registrados e mais de 70 pedidos de partidos em formação. Então, essa emenda tinha como objetivo promover uma reforma política, criando cláusulas de barreira, que vêm a reduzir o repasse de fundo partidário a partidos que não tiveram um percentual mínimo de votação nas eleições para a Câmara dos Deputados, e decretando o fim das coligações proporcionais. Qual é o impacto que isso traz às eleições? A meu ver, o mais significativo é você trazer qualquer articulação política para a Câmara dos Vereadores para antes do mês de abril, porque hoje, o partido só pode pensar em candidatar pessoas que estejam vinculadas a ele, e esse prazo é 4 de abril. Por exemplo: anteriormente, o partido olhava para os seus filiados, via as suas deficiências e ia procurar um aliado que pudesse suprir essas deficiências; hoje, não; ele já tem que ver quais são essas deficiências hoje e já correr atrás de supri-las antes do prazo final para filiação partidária, inclusive no que diz respeito às cotas de gênero. O que acontecia: muitas vezes, o partido não tinha candidatas mulheres e, aí, procurava outro partido que tivesse, para que pudesse formar a aliança.
ALGUM outro aspecto que o senhor considera mais impactante?
SIM. O segundo aspecto é somar o tempo de rádio e TV. Aqui para Mossoró, isso é significativo. Às vezes, formavam-se aquelas alianças com o intuito de melhorar o tempo de TV do grupo. Hoje, isso vai valer para prefeito, mas não mais para vereador. A questão também do financiamento; era possível o fundo partidário ser distribuído entre partidos que formassem uma coligação, hoje você só vai poder usar eventual fundo partidário da sua legenda. Eu não considero isso tão relevante, porque não eram significativos até 2016 repasses de recursos a candidatos, pouquíssimos recebiam, mas é um impacto que pode acontecer. Por último, a questão da quantidade de candidatos. Quando as coligações se formavam, era possível candidatar até o dobro de vagas disponíveis, no caso de Mossoró até 42 candidatos, agora será no máximo 150%, no caso de Mossoró, 32 candidatos por partido, e óbvio, a questão da busca de candidatos, isso a meu ver é o mais decisivo, porque nós não temos uma tradição de as pessoas se filiar aos partidos por questões ideológicas, programáticas, nossos partidos, infelizmente, são muito usados como siglas, como possibilidade de eleição, e aí cada grupo vai ter que correr atrás, quem não correr, não se preocupar, vai terminar não tendo nominata e possivelmente não vai conseguir eleger ninguém.
NA QUESTÃO dos 30% da cota de gênero, que precisa obrigatoriamente ser preenchido por sexo, e aí está muito mais ligado à mulher, recentemente estouraram escândalos de forma muito mais forte na questão do “laranjal” do PSL nas eleições de 2018. A partir desse episódio, a fiscalização nas eleições de 2020 será muito mais rígida?
A COTA de gênero teve, quando foi pensada, uma intenção muito boa, que era incentivar, até por questões obrigatórias, a participação feminina, até a legislação fala em proporção de sexo, mas a realidade mostra que quem participa menos é a mulher, infelizmente, porque eu penso que poderíamos ter um quadro bem diferenciado, considerando a quantidade de eleitores do sexo feminino e a quantidade de detentoras de mandato, que chega a no máximo 15% quando se somam todos os cargos eletivos. Ao final, o que tem sido percebido? Que a mulher não tem participado voluntariamente ou por vontade de contribuir com a política, não vou nem discutir os motivos que levam a isso, e aí começou a surgir a figura da candidata fictícia, mais genericamente chamada de “laranja”, aquela pessoa que se candidata somente para cumprir a cota de gênero, uma vez que o TSE entende que essa cota tem que ser cumprida materialmente, não como reserva de vagas, ou seja, a cada dois homens, eu tenho que ter uma mulher, necessariamente. Com essa realidade, foi se percebendo fraudes.
FRAUDES de que tipo?
POR exemplo: nós tínhamos municípios que se candidatavam o marido, a mulher e uma filha. Dificilmente, isso tem como ser caracterizado como algo normal. Evidentemente, é uma fraude, fraude na formação da chapa, que é mais grave, porque quando configurada a fraude, todos os candidatos, eleitos e suplentes naquela situação, vão perder o mandato. O TSE já tem uma decisão agora, relacionada a um município do Piauí, que ele cassou toda a chapa por decisão definitiva. Do ponto de vista jurídico, já há jurisprudência definitiva caracterizando isso como fraude. A candidatura fictícia não se caracteriza por presunção; quem alega que a candidatura é fictícia, tem que comprovar esse estado. Um aspecto interessante que muitas pessoas confundem é que a Justiça Eleitoral vai fiscalizar. O papel da Justiça Eleitoral, como qualquer órgão judiciário, é estar ali inerte, aguardando que as ações cheguem. Então, vai caber às coligações adversárias e ao Ministério Público verificar a ocorrência disso e ingressar judicialmente. Durante o período eleitoral, o juiz, óbvio, de ofício, pode indeferir candidaturas, mas é uma verificação técnica, de atendimento ou não da parte formal, ou da existência de alguma irregularidade comprovada, quem aciona ou são os adversários ou o MP.
E QUANTO ao financiamento de campanha, nesse ponto de vista das candidaturas “laranjas”?
UM SEGUNDO aspecto desse tema está relacionado justamente às finanças da campanha. Por exemplo: o TSE decidiu que 30% de todos os recursos públicos aplicados nas campanhas têm que ser em campanha de mulher, como o Fundo Partidário, Fundo Especial. E aí, outra coisa que se viu nas eleições, a história do “laranjal” do PSL, ele é muito mais associado a recursos de campanha do que a fraude nas eleições da chapa, ou seja, eu candidato mulheres, essas mulheres vão receber recursos dessa cota de 30% e repassar para candidatos de outro sexo como doação de campanha de recursos públicos. O TSE também já cassou dois candidatos porque a mulher teria repassado recursos da cota para um candidato do sexo masculino, agora veja, também de eleições municipais, porque os processos das eleições estaduais que apuram isso ainda não estão no TSE em ponto definitivo de julgamento. O TSE está julgando agora os processos de 2016.
A SEDE do Fórum Celina Guimarães foi construída para receber duas zonas eleitorais: 33ª e 34ª. Hoje, está com quatro zonas. A Justiça Eleitoral vai construir uma nova sede, mas que não ficará pronta até o próximo ano. Essa estrutura atual pode prejudicar o trabalho no pleito que se aproxima?
EU DIRIA que prejudicar, não, porque pelo fato de ser eleição, a Justiça Eleitoral pode requisitar qualquer instalação, inclusive instalações privadas que sejam necessárias para o funcionamento do pleito. Então, por exemplo: armazenamento de urnas, o nosso espaço, mesmo apertado, ainda cabe, nós chegamos a receber próximo de 700 urnas, temos um espaço de armazenamento elevado, mas quando vai ocorrer, por exemplo, a carga das urnas, quando elas precisam ser abertas, ligadas na tomada, nas últimas eleições, quando já estávamos com as quatro zonas instaladas, nós usamos as instalações do Senai. Por que aconteceu essa nova instalação de zonas aqui? O TSE tem trabalhado no sentido de reduzir a estrutura da Justiça Eleitoral. Então, foram eliminadas, no último rezoneamento, nove zonas aqui no estado, e dessas, algumas foram agrupadas e estão indo para os municípios-polo. Até a eleição de 2014, nós aqui em Mossoró tínhamos duas zonas: uma comportava Mossoró e Baraúna, e a outra, Mossoró e Serra do Mel.
QUANDO o município passou a receber novas zonas?
EM 2016, nós já recebemos uma outra zona, a 58ª, e ela recebeu o município de Tibau, agregando Serra do Mel e Baraúna, e agora chegou a 49ª, que funcionava em Upanema e trouxe consigo o município de Governador Dix-sept Rosado, ou seja, duas zonas ao nosso redor deixaram de existir e foram instaladas em nosso prédio. Já foi preciso fazer novas salas, e do ponto de vista da ocupação do espaço, nós não temos mais. O funcionamento hoje é muito apertado, mas o espaço de atendimento do eleitor é satisfatório. O TRE recebeu em doação uma parte de um terreno da Uern em frente onde está construído o Hospital da Mulher, mas o Poder Público não constrói do dia para a noite; é preciso reservar recurso, orçamento, depois licitar, para depois construir. Eu não vejo como isso possa estar pronto em um curto espaço de tempo; dois, quatro, oito anos talvez para que esse prédio possa estar disponível, mas isso não prejudica, porque quando nós precisamos de espaço para fazer reuniões, nós requisitamos o auditório do Sesi, da Estação das Artes, do Senai, justamente porque o serviço eleitoral prefere a todos os outros.
A PROPAGANDA eleitoral sofrerá uma mudança profunda nas eleições municipais?
PROFUNDA, eu diria que não. Temos visto, ao longo dos últimos anos, a mudança na propaganda de rua para a internet, principalmente redes sociais, e ela teve um impacto maior agora. Ficou definido na legislação que o carro de som, ele só pode agora circular se for em passeata, carreata, caminhada, em próprio dia de comício ou em qualquer movimentação, reuniões, então se diminui a presença do carro de som circulando, mas é interessante: nas eleições estaduais, nós já vimos municípios onde o candidato colocava um carro de som com duas motos, para dizer que era uma carreata, ou então colocava o carro de som acompanhado por algumas pessoas para dizer que era uma caminhada, isso vai ter uma certa interpretação do juiz eleitoral, que é quem exerce o poder de polícia para mandar suspender ou não a propaganda irregular. Outra questão que tem sido alterada é a flexibilidade maior para qualquer pessoa que pretenda ser candidato, realizar atos, a chamada propaganda antecipada hoje praticamente não é mais caracterizada como tal. O artigo 36 da Lei das Eleições prevê que a propaganda começa a partir do dia 15 de agosto, quando acaba o registro de candidatura, mas o artigo seguinte, o 36-A, ele vai dizer uma série de atos que não configuram propaganda antecipada.
QUE atos, por exemplo?
VOCÊ divulgar que pretende ser candidato, suas propostas, o que você pretende fazer pelo município, dizer seu posicionamento sobre questões locais, o trabalho que você tem prestado à comunidade, fazer reuniões no sentido de obter apoio político, independentemente de ser em ambiente fechado ou aberto, isso aí não é mais caracterizado como propaganda eleitoral. O que o artigo vai proibir? Que você peça voto, ou que você diga que é candidato, porque efetivamente candidato você só é depois que pede o registro de candidatura. A vaquinha virtual vai poder ser feita a partir de 15 de maio. Então, se você se colocar para ser candidato e se inscrever para arrecadar recursos por financiamento coletivo, você já pode divulgar essa campanha, chega até ser uma contradição do ponto de vista lógico, mas leva aquele sentido de que a interpretação da propaganda antecipada vai ser bem restrita. Eu, particularmente, do ponto de vista conceitual, acho que essas mudanças são benéficas, eu sempre acreditei que a propaganda eleitoral é um direito do cidadão, de conhecer as pessoas que estão colocando o nome à disposição, por outro lado você imagina assim: hoje, um vereador aqui em Mossoró tem um palanque semanal, a sessão da Câmara, o trabalho institucional dele, a TV Câmara, ou qualquer mídia que a Câmara veicule está expondo o nome dele, oficialmente sem correr risco, então um candidato que não é vereador, ele tem a possibilidade de fazer uma espécie pré-campanha, sem ser considerado como irregular.
VOLTANDO à questão do fim das coligações proporcionais, que mexe também na forma como vai ser aplicado o coeficiente eleitoral, há uma pequena mudança, não é isso?
ISSO. Essa mudança, ela tem dois aspectos. Nós tivemos já para 2016 aquela questão de que cada candidato que dispute, tem que ter, pelo menos, 10% do coeficiente eleitoral, que foi chamado na época de “efeito Tiririca”, ou seja, para evitar que alguém que tivesse muito voto puxasse quatro, cinco sem votação nenhuma. Agora para 2018 foi alterada a questão das médias, que a gente comumente chama de sobra, ou seja, o partido que não atender ao coeficiente na primeira etapa, ele não está fora. Então, se você consegue ficar próximo, 80%, 90% do quociente, você tem boas chances de eleger um candidato quando tiver as sobras. A gente tem uma estimativa quase sempre de que Mossoró se aproxima de 6,5 mil votos, o interessante é que nunca tivemos um puxador de votos que tenha elegido dois, três candidatos por sua votação só. Aqui em Mossoró, nenhum vereador se elege só; todo mundo precisa da nominata para completar.
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