Quinta-Feira, 06 de fevereiro de 2025

Postado às 10h30 | 05 Ago 2020 | Redação MP produz relatório sobre policiais 'antifascismo' e cita apoio a Lula

Crédito da foto: Reprodução/Revista Forum Policiais antifacismo

Por Maricelio Almeida - Repórter do JORNAL DE FATO

Reportagem exclusiva divulgada nesta terça-feira, 4, pelo portal Uol, revela que o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) produziu um relatório de 65 páginas com nomes, dados pessoais, fotografias e publicações em redes sociais de um grupo de 23 servidores da área de segurança pública do movimento “Policiais Antifascismo” do estado. O levantamento, elaborado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) menciona, entre outros pontos, o apoio dos policiais ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em redes sociais. O Gaeco diz que esse apoio é “apologia de autor de crimes”.

De acordo com a reportagem do UOL, o portal teve acesso ao levantamento, datado de 29 de abril, contendo informações sobre 20 policiais militares, dois policiais civis e um bombeiro. No último dia 24, a coluna do jornalista Rubens Valente revelou que, em junho, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI), também realizou um levantamento com nomes de 579 agentes de segurança do “movimento policiais antifascismo” e quatro acadêmicos citados como “formadores de opinião”.

A pedido do promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra, o Gaeco confeccionou o relatório sobre os “policiais antifascismo” a partir de uma pesquisa em “fontes abertas tais como: perfis de Instagram, Facebook, Twitter, WhatsApp, YouTube e outras fontes” com objetivo de “identificar uma possível organização paramilitar ou milícia particular ou partidária”.

Segundo a coluna do jornalista Rubens Valente, não fica claro como o Gaeco obteve em “fontes abertas” os endereços residenciais, filiação e outros dados pessoais dos servidores. O objetivo do levantamento foi “identificar, qualificar quem são os seus possíveis organizadores, se seus integrantes são servidores de instituições estaduais ou federais de segurança pública e administração penitenciária, militares ou civis; se há relação dos respectivos cargos com o fim ostensivo ou velado de obter proveito de natureza político-partidária para si ou para outrem”.

O promotor Beetoven havia aberto, em 29 de março, um procedimento preparatório para apurar a atuação de agentes de segurança do estado, que vinham se manifestando contra os atos de protesto agendados após medidas de isolamento social, impostas no estado em razão da pandemia de covid-19.

Naquele momento, diversas medidas estavam sendo tomadas pela governadora Fátima Bezerra (PT) e por prefeitos para restringir a transmissão da doença. Em 24 de março, o presidente Jair Bolsonaro havia pedido, em cadeia nacional de rádio e TV, a “volta à normalidade” e o fim do “confinamento em massa”, além de atacar os meios de comunicação e governadores.

Divulgação

Segundo destaca o portal UOL, após carreatas com os slogans “Bolsonaro tem razão” e “Brasil não pode parar”, convocadas para os dias 27 e 28 de março, de grupos críticos do distanciamento social, os membros do movimento “Policiais Antifascismo” se insurgiram.

Duas novas carreatas bolsonaristas estavam agendadas para o dia 19 de abril quando, um dia antes, um dos líderes do movimento, o policial civil Pedro “Chê” Paulo Chaves Mattos, lotado na 1ª delegacia de plantão da zona sul de Natal, colocou no YouTube um vídeo intitulado “Policiais Antifascismo do RN mandam recado aos manifestantes da mega carreata de domingo (19/4)”.

O agente disse que a “brigada antifascista irá atuar” sobre as “megacarreatas” convocadas para a capital e Mossoró, que as pessoas seriam identificadas e gravadas. Ele afirmou no vídeo que “como se trata de um flagrante, as autoridades serão comunicadas e solicitadas a efetuarem as prisões”.

“A carreata será contra o isolamento social. O que é uma irresponsabilidade […] é uma irresponsabilidade ignorar os efeitos danosos desse vírus. […] Essa carreata não é apenas um ato insensato, será também um crime”, diz “Chê” no vídeo, citando legislação estadual e federal.

Nas redes sociais, os policiais divulgaram, entre críticas ao presidente Bolsonaro, que “a Brigada Antifascismo surgiu no Brasil, em meio à pandemia do novo coronavírus, em abril de 2020, e visa a combater a ignorância e o fascismo”.

 

Vídeo motivou promotor a pedir detalhamento sobre o grupo

A reportagem do UOL relata que ao saber do vídeo, o promotor voltou-se contra o movimento dos “Policiais Antifascismo” dentro do mesmo procedimento que apurava a questão do cumprimento das medidas do decreto estadual. Citando um dicionário, ele escreveu que os “conteúdos do vídeo e a sua descrição evidenciam a motivação claramente político-partidária do grupo que se apresenta como uma brigada, expressão que, no jargão militar, significa ‘força militar organizada’ ou “grande unidade militar, constituída de unidades de combate, de apoio ao combate e de apoio administrativo’ (Dicionário Houaiss)”.

Para o promotor, os policiais “demonstram ainda [que] a intenção do grupo é de constranger, com amparo na autoridade dos cargos ocupados por seus integrantes (que seriam policiais, em sua maioria), pessoas que têm ideologias políticas diferentes, o que se configura em ato de inaceitável intolerância política, incompatível com o regime democrático brasileiro”.

Beetoven instou a Polícia Civil a abrir um inquérito policial “destinado a investigar se a autoproclamada ‘Brigada Antifascista’ constitui ou não uma organização paramilitar ou milícia particular destinada a cometer qualquer crime previsto no Código Penal”. Remeteu uma cópia para o Gaeco do MP-RN.

Quatro dias depois, Beetoven impetrou um habeas corpus com pedido de liminar “em favor de todos os agentes de segurança pública” do Rio Grande do Norte em face de suposto “constrangimento ilegal iminente decorrente de ato inconstitucional” da governadora que restringia as medidas de isolamento social no combate à covid-19. O decreto da governadora mencionava a necessidade de prisão de pessoas que desobedecessem o decreto.

 

 Imagem de policial com Dilma entrou em relatório do Gaeco

O Gaeco capturou uma imagem em rede social de fevereiro de 2020 na qual Pedro entrega à ex-presidente Dilma Rousseff uma camiseta do movimento e escreve que tem “orgulho desta mulher (com ‘M’ maiúsculo e tudo mais que tiver direito)”. Para o Gaeco, Pedro “a promoveu, em espaço da administração pública”. Na foto, Dilma estava ao lado da governadora Fátima Bezerra.

O policial civil disse à coluna de Rubens Valente que a foto tirada com Dilma ocorreu “dentro de uma visita política normal. Nós soubemos que ela viria e pedimos para tirar uma foto com ela. A reunião foi pública, nada foi escondido”. O relatório também traz várias fotos de Pedro, inclusive, uma com a marca d’água “Detran-RN”, dados pessoais e endereço residencial.

Já o promotor Beetoven disse à coluna, por meio da assessoria de comunicação do Ministério Público do RN, que seu objetivo “não é político e nunca foi”.

“O que o Ministério Público, enquanto órgão controlador da atividade policial, não pode aceitar é a falta de neutralidade político-partidária das polícias, senão a função policial passa a ser utilizada em prol de uma ideologia e para autopromoção de agentes públicos armados. Em outras palavras: cria-se uma polícia política. E isso não é democrático nem lícito. O policial, como pessoa física, fora do trabalho (sem exibir arma ou distintivo), pode ter e professar a ideologia política que quiser. Mas, no exercício da função, tem que agir com neutralidade e imparcialidade”, disse o promotor.

O policial Pedro “Chê” afirmou que considera a presença dos bolsonaristas nas fileiras da polícia “dentro dos valores democráticos, lícita”. “Mas, o interessante é que apenas em relação a nós, muito por ser de esquerda, é que se teve essa abordagem tão mais rigorosa, tão mais atenta do que dezenas de inúmeros outros relatos de policiais que se manifestam politicamente sobre Bolsonaro”, disse o agente.

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