Quarta-Feira, 05 de fevereiro de 2025

Postado às 14h00 | 06 Set 2020 | Redação 'Não bastava só a Petrobras ficar, era preciso que ela fizesse investimentos'

Crédito da foto: Marcos Garcia;JORNAL DE FATO Gutemberg Dias, presidente da Redepetro, defende investimentos da iniciativa privada

Por Maricelio Almeida - Repórter do JORNAL DE DATO

O entrevistado da semana da seção “Cafezinho com César Santos” é o professor Gutemberg Dias, presidente da Redepetro RN, organização sem fins lucrativos com o objetivo de estimular e promover a integração de um grupo de pessoas jurídicas fornecedoras de bens e serviços para atuarem, de forma colaborativa e competitiva na Cadeia Produtiva de Petróleo, Gás, Petroquímica e Energia.

Em pauta, a confirmação da venda de todos os ativos da Petrobras na Bacia Potiguar. Quais os reflexos imediatos desse anúncio? Quais as consequências para o Rio Grande do Norte, em diferentes aspectos e setores? Essas e outras perguntas foram respondidas por Gutemberg, que enxerga pontos positivos na chegada de novos operadores para os campos que deixaram de receber investimentos da Petrobras.

A Petrobras anunciou, no dia 24 de agosto, a venda da totalidade de suas participações na Bacia Potiguar. Quais são os reflexos diretos e iniciais desse anúncio?

Primeiramente, eu gostaria de dizer que é lamentável a saída da Petrobras, para toda a cadeia de petróleo e gás, por ser uma empresa grande, que tem uma vida na Bacia Potiguar. São 47 anos de operação, mas, infelizmente, nos últimos anos a Petrobras tomou a decisão de não mais fazer investimentos na Bacia Potiguar, no onshore brasileiro como um todo, não só no Rio Grande do Norte, e isso terminou por deixar a cadeia de petróleo e gás desassistida do ponto de vista de melhoras no incremento de produção, de geração de emprego, geração de negócio na cadeia. Segundo, que o impacto direto com esse anúncio da Petrobras ele vai de encontro ao sentimento de parte da população, sentimento da classe política e também da classe empresarial. Como eu disse, a Petrobras tem um portfólio enorme, é uma empresa que em qualquer canto que ela esteja, ela gera negócios – diretos e indiretos. Então, pelo tamanho da Petrobras, isso também gerou um impacto muito grande nesses segmentos num primeiro momento. É tanto que nós tivemos falas de várias pessoas em defesa da manutenção da Petrobras no RN.

Qual o impacto positivo desse anúncio?

Um outro impacto, que eu considero positivo, é que com a venda dos ativos outro operador irá entrar na Bacia Potiguar para operar esses campos e essas unidades que a Petrobras tem. E eu acredito muito que com essa entrada a gente tenha uma dinamização obviamente da cadeia petróleo e gás, porque essas empresas entram para fazer investimentos e fazendo investimento para aumentar a produção, porque pela capacidade que eles têm hoje, de operação da própria Petrobras, fica difícil para comprar e manter uma produção comercial, eles precisam ampliar para poder ter a garantia de retorno dos investimentos.

Em quanto tempo o senhor acredita que as concessões de campos de produção terrestres e de águas rasas serão definitivamente transferidas para a iniciativa privada?

Eu acredito que essa transferência ocorrerá no prazo de um ano há dois anos, acho que não mais do que isso. A Petrobras já tem um exemplo dentro de casa, que foram as vendas dos campos de Riacho da Forquilha e do polo também de Macau. O Riacho da Forquilha houve uma demora muito maior em função que foi o primeiro, então, houve várias discussões dessa venda. Já o polo Macau foi muito mais rápido o processo. Acredito que o polo potiguar, por ser um polo muito grande, ele não será assim tão rápido, haja vista que é necessário todo um processo de entendimento, de quais são as empresas que vão participar, análise de todo o sistema que está abarcado nesse polo, isso tudo, obviamente levando em consideração os aportes financeiros que serão necessários para esse investimento, para a compra desses ativos, não será uma coisa tão rápida, mas acredito que entre um ano e dois essa operação estará sacramentada e a Petrobras já deverá ter transferido os ativos para a empresa compradora.

Do ponto de vista de manutenção de empregos, o que representa essa transferência das concessões para a iniciativa privada?

A gente tem que ter em mente o seguinte, a Petrobras tem uma estrutura muito grande, o modelo dela de trabalhar é diferente do modelo das empresas privadas. A Petrobras hoje no RN tem mais de 800 funcionários diretos e quando houver a total transferência desses ativos para outra operadora, esse contingente de funcionários que estão diretamente ligados à Petrobras será transferido para outras unidades, em outros estados. Então, vamos dizer assim, nós vamos perder esse contingente de empregos ligados diretamente à Petrobras. A gente sabe também que com a chegada dessa nova operadora, ela terá de fazer contratações diretas, ela não tem como operar sem ter um quadro técnico disponível para ela.

E quanto aos empregos terceirizados?

Em relação à geração de empregos terceirizados, a gente já tem uma grande redução no estado. Nós tivemos uma diminuição muito grande dos números de terceirizados na cadeia petróleo e gás. Hoje se fala em torno de cinco mil pessoas no total em operação na cadeia de petróleo no Rio Grande do Norte. Então, acredito muito que essas empresas já vêm com essa máxima de redução, mas elas terceirizam muita coisa. Então, a gente pode ter um aumento de empregos a partir das empresas terceirizadas. Isso é uma perspectiva, que a gente precisa olhar. Existe um estudo da Fieb que mostra exatamente que quando você tem um aumento de produção, há um aumento também de empregos de acordo com esse aumento de produção. Há uma métrica que a Fieb levantou, estudou e ela é muito clara: com o aumento de produção você tem uma perspectiva também de aumento de empregos, isso a médio e longo prazo.

Como a Redepetro tem acompanhado esse processo de desinvestimento da Petrobras no RN?

Estamos acompanhando esse processo desde o seu início. Quando nós sentimos, no primeiro momento, uma redução dos investimentos da Petrobras, já iniciamos também uma discussão interna dentro da rede com a necessidade das empresas se reposicionarem. Muitas fizeram esse reposicionamento, outras não fizeram, algumas fecharam em função de toda essa diminuição de investimentos, quando normalmente se diminui também o giro de dinheiro na cadeia de petróleo e gás, e algumas empresas, aliás, muitas empresas fecharam suas portas. Mas, esse acompanhamento que nós estávamos fazendo era diretamente tanto com a Petrobras – nós tivemos algumas reuniões aqui com a gerência do RN, onde era possível a gente ter essa essas discussões com eles – e tivemos também discussões dentro da própria cadeia com outros atores, como a própria BPI, que são Brasileiros Produtores Independentes, o Ministério de Minas e Energia. Nós fazemos parte do Reate, então, fizemos uma discussão muito grande nesse sentido.

A Petrobras, em algum momento, sinalizou a vocês esse interesse na venda de todos os seus ativos no RN?

Mais recentemente, nós tivemos um convite feito pela Petrobras, onde eles nos apresentaram o portfólio de desinvestimento e nós fizemos uma pergunta muito clara: se todos os ativos do Rio Grande do Norte iriam estar nessa perspectiva e a resposta foi que sim, eles só não disseram pra gente quando isso iria acontecer. De certa forma, nós estávamos preparados, é tanto que nosso discurso quando se falava no “Fica Petrobras” não era o “Fica Petrobras”, era um “Invista Petrobras”, que era o discurso mais acertado. Nós fizemos isso durante muito tempo, porque a gente entendia que não bastava só a Petrobras ficar no RN, era preciso que ela fizesse investimentos no RN pra gente poder voltar aí sim a essa pujança da economia baseada no petróleo. A partir de agora, obviamente, a gente vai ter que conviver com esse processo de saída gradativa da Petrobras, após a venda desses ativos, e entender esse novo funcionamento, esse novo modelo de operação com os operadores independentes.

Membros da classe política do RN defendem a permanência da Petrobras do RN. É viável que a estatal continue empenhando esforços para a produção onshore em terras potiguares?

Em relação à classe política fazer o movimento para continuar, é muito válido, acredito que tem que se olhar também, eu já disse no início, que a Petrobras ela tem um papel estratégico importantíssimo, e onde ela estiver, obviamente, ela tem atração de negócios para essa cadeia, digamos assim, de petróleo e gás. Eu acho salutar, é importante que a classe política ela faça esse movimento, mas, volto a dizer que o discurso não é “Fica Petrobras”, é um discurso de invista Petrobras, a gente precisa que a Petrobras continue investindo. Se ela ficar no Rio Grande do Norte, se optasse por ficar no Rio Grande do Norte, coisa que eu não acredito mais, as falas que foram dadas pelo presidente da Petrobras é que o desinvestimento ele é real e vai acontecer; as operações da Petrobras no Rio Grande do Norte ficarão restritas às águas profundas, são alguns blocos, como bloco de Pitú, onde eles têm já uma descoberta, então, eles vão fazer investimento nessa área, que é exatamente o portfólio estratégico da Petrobras hoje, operar em águas profundas e ultraprofundas. A gente tem que torcer para que esses blocos de águas profundas aqui no RN sejam promissores para que a Petrobras continue operando aqui na nossa bacia.

Mas em relação ao onshore...

Com relação à produção terrestre está muito claro que a decisão da Petrobras está tomada, e a produção dela em terra será transferida para iniciativa privada, mas, volto a dizer: é importante que haja uma movimentação da classe política, da sociedade, até porque com a saída da Petrobras ela também tem que fazer a sua autocrítica com relação ao que ela vai deixar no Rio Grande do Norte. Quais são os passivos? Isso aí tem que ser discutido também, não é só bater as portas e ir embora. Essa questão também dos passivos é importante, eu acho que a classe política precisa discutir isso aí com muita tranquilidade.

Qual a avaliação da Redepetro em relação aos campos/polos que já foram transferidos para a iniciativa privada? Houve, de fato, um incremento na produção? E os empregos, foram mantidos?

O que a gente vê claramente é que uma operação que já vai fazer um ano de transferência, que é o polo Riacho da Forquilha, ela já tem resultados positivos. Riacho da Forquilha hoje já produz mais do que produzia quando a Potiguar E&P assumiu. A empresa anunciou que eles conseguiram ampliar em 30% a produção. Obviamente, que a gente sabe que o campo estava com poços paralisados, não tinha investimentos. Então, com a própria atuação da empresa em retomar poços, retomar algumas operações dentro do polo, ele já conseguiu ter um incremento de 30%. Isso é louvável, acredito que eles vão ampliar ainda mais isso quando começarem perfurações novas, quando iniciarem campanhas de melhoria no fator recuperação, utilizando tecnologias para isso, a gente terá um incremento de produção. Isso já é um ponto positivo nesse processo, porque houve uma queda muito grande ao longo dos anos. De 2015 pra hoje, nós perdemos aí 25 mil barris de petróleo/dia. Nessa época, a Petrobras fazia grandes investimentos aqui, ela manteve a produção, durante quase uma década, na ordem de 60 mil barris/dia, então esse ponto, ou seja, com relação a incremento e produção, ele é claro, e associado a isso, como eu já disse também, anteriormente, o aumento de produção ele vai gerar também uma perspectiva de aumento de emprego a médio e longo prazo, essa é a perspectiva que se tem.

O senhor afirmou em artigo publicado recentemente que, se houver uma conjunção de forças, é possível transformar o Estado no maior fornecedor de serviços e bens materiais para o onshore brasileiro. De que forma isso é possível?

Para mim não resta dúvida que se nós tivermos uma conjunção de forças é possível fazer do Rio Grande do Norte um grande polo de fornecimento de serviços e bens materiais, isso eu digo com bases reais. Veja a quantidade de empresas que nós temos no estado do Rio Grande do Norte já com expertise muito grande, nós temos mão de obra qualificada ao extremo. E um ponto que é importante pra essa questão é a logística. Nós estamos num raio de 1,8 mil a 2 mil quilômetros de todas as operações terrestres de produção de petróleo. Então, se nós olharmos lá pra o norte do Espírito Santo e olharmos também lá para Amazonas, nós temos condições claríssimas de atender esse mercado. Agora, é preciso criar mecanismo de atração dessas empresas para que elas se instalem no Rio Grande do Norte. E aí eu digo empresas de bomba, fabricação de bombas, de hastes de bombeio, de geradores, ou seja, de tudo, é possível trazer empresas pra cá. Agora, precisa ter essa conjunção de força pra que crie uma ambiência de negócio muito grande no estado do Rio Grande do Norte, que consiga atrair essas empresas.

A Redepetro já sente um interesse dessas empresas de se instalarem aqui?

Recebemos com frequência empresas que nos ligam para entender como é que está o mercado, com interesse de se instalar no Rio Grande do Norte. Agora, ou seja, com essa nova dinamização, com esse modelo, em que nós vamos ter um cenário mais privado, digamos assim, da cadeia de petróleo e gás, fica muito mais fácil para essas empresas, porque são empresas que querem investir aqui, mas também dependiam do comprador e o grande comprador, a Petrobras, comprava de forma corporativa. Acredito muito, se houver toda essa conjunção de forças e um pensamento focado em atrair empresas para a cadeia de petróleo e gás, mas no fornecimento de bens materiais, serviço a gente já tem muitas aqui, mas tem outros serviços maiores que podem estar chegando, é possível que a gente aproveite também não só o óleo que vai ser retirado do chão, mas também essa parte da economia que durante todo esse tempo nós não tivemos aqui na nossa região. É um outro momento, é preciso entender isso, e os gestores precisarão ter essa visão pra poder a gente ter um novo ciclo de petróleo, não só única e exclusivamente focado no óleo que é retirado do chão.

Por quanto tempo ainda é possível explorar o onshore no Rio Grande do Norte?

Acredito que a gente vai ter aí muito tempo ainda. Vou fazer só um preâmbulo com relação à questão da matriz energética ainda tendo petróleo como sua principal fonte. Todos os estudos mostram que nos próximos 30 anos ainda quem vai mandar na matriz energética mundial será o petróleo. Então, mesmo com a entrada de energias renováveis, seja solar, eólica, tudo isso aí ainda não vai tirar nos próximos 30 anos o domínio do petróleo, então veja que nós temos um longo prazo ainda pra poder pensar nas nossas reservas. Voltando para Rio Grande do Norte, a Bacia Potiguar tem uma reserva ainda muito grande, a própria Petrobras em alguns momentos, quando ela ainda estava com toda sua operação, ela fazia aí também previsões em torno de 20, 25 anos de operação, isso sem falar das descobertas novas. A bacia nós já temos exemplos agora recente de novas descobertas, isso quer dizer que ainda existem perspectivas de blocos novos, nós encontrarmos petróleo novo, campos novos sendo descobertos. Outro ponto também que nos favorece na ampliação do tempo de produção da Bacia Potiguar é a questão do aumento do fator de recuperação, ou seja, todos os nossos poços eles produzem a um certo volume de relação água e óleo. Se nós melhorarmos o fator, nós vamos poder tirar ainda mais óleo, isso quer dizer que mesmo os campos que nós temos já a produção de petróleo seria possível a gente melhorar essa extração a partir de técnicas que a Petrobras já utiliza, outras empresas vão utilizar, que é para aumentar esse fator de recuperação.

Para concluir, em relação aos royalties, o senhor acredita que haverá mudanças significativas nos valores pagos pelas empresas privadas?

A gente tem que ver dois pontos. Primeiro: os royalties têm um impacto nas contas públicas, isso não resta dúvida, hoje os gestores públicos utilizam os royalties como parte do incremento das receitas, e eles estão amparados em quê? Na Lei do Petróleo, de 1997, e também em algumas resoluções da ANP. Só que hoje a Petrobras paga um percentual que é na tabela no teto máximo. As empresas elas fazem uma operação quando assumem e elas vão definir aí esse percentual. Existem também resoluções da ANP que estabelecem que para campos maduros você tem redução, então, isso vai ser um ponto de discussão entre os gestores públicos, tanto municipais quanto estaduais com as operadoras. A gente tem que pensar em duas formas: 1) os royalties são garantidos por dois pontos, um é produção, ou seja, quanto mais eu aumento a produção, mais eu tenho royalties; 2) variação cambial. Isso quer dizer que se eu tiver variação cambial também melhora a questão dos aumentos de recebimento ou redução. Acredito muito que o melhor caminho para discutir é se criar mesa de negociação entre os operadores e os gestores públicos, para que cheguem num consenso com base em projeções econômicas para que não haja perda para os municípios e nem seja sacrificada a questão dos operadores que estão entrando nas operações

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