Em entrevista ao Cafezinho com César Santos, vereadora Marleide Cunha fala sobre a possibilidade de ser candidata a deputada estadual nas próximas eleições. Também aborda a violência verbal que ela sofreu do vereador Raério Cabeça na Câmara Municipal
Teve enorme repercussão a violência verbal do vereador governista Raério Cabeça (PSD) contra a vereadora oposicionista Marleide Cunha (PT). As palavras agressivas e desrespeitosas, lançadas no plenário da Câmara Municipal de Mossoró, porém, não intimidaram a mulher vereadora. O fato não deve ser visto apenas como uma discussão no campo político, mas, sim, pelo machismo que insiste dominar o ambiente público. Marleide Cunha aceitou falar sobre o assunto no “Cafezinho com César Santos”. Marleide também responde sobre a possibilidade de ser candidata à deputada estadual nas eleições de 2022 e faz avaliação dos dez primeiros meses da gestão do prefeito Allyson Bezerra (Solidariedade).
A senhora se consolidou como líder sindical, na luta em defesa dos servidores públicos, e agora defende as suas bandeiras no Legislativo. É uma mudança significativa, em razão de a senhora estar agora em novo ambiente de debate e luta?
É uma mudança, sim, porque realmente toda a minha vida, desde a adolescência, na verdade, quando eu entrei no serviço público, sempre participei do movimento sindical, seja na base ou na estrutura da diretoria. Sempre fui muito ativa nas assembleias, nas lutas e depois participando tanto do Sindicato dos Trabalhadores da Educação como do Sindiserpum (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Mossoró). Então, toda essa trajetória foi dentro do movimento sindical. Agora, na Câmara Municipal, a gente inicia um novo caminho, porque não é mais só a defesa dos servidores públicos, a defesa dos trabalhadores, das trabalhadoras. Agora é a sociedade como um todo. Com os serviços públicos prestados à população, com a questão da vida das pessoas, se estão tendo uma vida com dignidade, se seus direitos enquanto cidadão, cidadã, estão sendo respeitados. O mandato na Câmara Municipal não tem apenas um foco, também não sou uma vereadora de bairro, como costumam dizer, não tem um bairro específico, uma área específica, é a toda Mossoró que devemos trabalhar. As pessoas costumam dizer assim: seja a voz, você é a nossa voz, então fale sobre isso e aí é uma variedade de assuntos. Esse é o nosso papel.
A oposição na Câmara Municipal de Mossoró está praticamente resumida ao seu mandato e de Francisco Carlos e Larissa Rosado, num plenário de 23 integrantes. É possível qualificar o debate político diante de tal desequilíbrio numérico?
Penso que a qualidade do debate político não tem muito a ver com o número da bancada da situação ou da oposição, ele tem mais a ver com a qualificação e a disposição das pessoas em quererem fazer esse debate qualificado. Realmente, eu sinto uma ausência dessa vontade de fazer debates qualificados na Câmara, porque as pessoas não conseguem entender as críticas, entender que o ambiente legislativo é um espaço político de debates de ideias. Pouca gente debate ideias e quando tentamos fazer um debate no campo das ideias, recebemos agressões. Fica aquele discurso raso do que foi feito no governo anterior, do que não foi feito, e isso não ajuda na qualidade do debate. Eu sempre tento levar para a Tribuna assuntos que a gente possa discutir as ideias, mas a maioria (na Casa) prefere o debate menor.
Por exemplo...
Quando tem um projeto importante pra ser votado e a bancada da situação quer evitar discutir esse projeto, se omitindo da discussão, nós procuraremos provocar o debate. Muitas vezes pedem um requerimento de urgência, tudo muito feito na surdina, e a gente fica sabendo em cima da hora. Então, isso é o quê? Isso é uma estratégia pra se evitar o debate. Por várias vezes eu tive que usar a minha fala no grande expediente pra trazer à tona uma discussão em que ia se votar um projeto e que esse estava, digamos, meio nebuloso, e a bancada da situação tentando fugir da discussão. Foi assim no projeto de lei da desvinculação de receitas da iluminação pública, foi assim no projeto de lei da reforma administrativa. Eu tive que levar pra tribuna, no grande expediente, de forma até antecipada, para provocar o debate, porque a gente não ia ter debate nessas questões.
Quais as consequências desse comportamento da maioria dos vereadores?
São consequências desastrosas porque a Câmara Municipal acaba não cumprindo o seu papel de Poder Legislativo. O Poder Legislativo não é para estar subserviente ou abaixo do Poder Executivo. Ele tem que tá fiscalizando, fazendo a sua parte para melhor atender a população. Mas, quando a Câmara fica como se fosse, digamos, um puxadinho, subserviente ao Poder Executivo, a população toda é prejudicada. Eu vou dar exemplo: outro dia veio um veto do Executivo sobre um projeto de lei que deveria ter uma simples campanha de valorização para as pessoas que trabalham com melão, e foi vetado um artigo simplesmente porque diz que o Legislativo não pode fazer leis que tenha algum custo pra o Executivo. Isso é um absurdo. Eu votei contra o veto porque entendo que o STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que pode, sim, o legislador fazer projetos de lei que tenham custo pra o Executivo. É lógico que pode, porque senão a Câmara Municipal vai ficar fazendo só moção de aplauso, moção de pesar e título de cidadão. E aí, se a Câmara não tem o entendimento de autonomia e fica mais preocupada em atender as vontades do Executivo, então a sociedade como um todo é muito prejudicada.
Nesta semana, a senhora sofreu agressão verbal do vereador Raério Cabeça. O mesmo vereador havia feito ataque parecido em 2020 contra a então vereadora Sandra Rosado. Esse tipo de ataque contra a mulher é consequência do ambiente machista da política?
Eu acredito que sim, mesmo que seja um componente machista e que a pessoa não se dá conta de que está sendo machista e autoritária. O machismo é algo enraizado na pessoa, é algo estrutural na sociedade. Muitas vezes, as pessoas não se dão conta daquilo, mas são machistas. Normalmente você percebe o agressor quando ele é muito mais violento, mesmo que seja em palavras, com relação às mulheres do que com relação aos homens; normalmente ele cresce na sua violência quando o foco é a mulher. Nessa questão específica, a agressão está muito caracterizada e não vejo apenas como uma agressão à mulher; eu vejo também como uma agressão à pessoa. É preciso ser dito que as pessoas merecem respeito, merecem ser tratadas com dignidade e não com palavras violentas. Então, a gente precisa combater isso de forma firme. Talvez pelo fato de eu não baixar a cabeça, tem gente que diz: “ah, ela também disse que não tem medo”. Eu tenho a obrigação de dizer que não tenho medo de forma nenhuma.
A senhora entende, então, que a postura agressiva do vereador Raério foi uma forma de intimidação?
É uma intimidação e não é a primeira vez que isso acontece na Câmara Municipal. É a segunda vez, de forma violenta, que chama atenção da sociedade e que vem contra mim. Em 2019, eu recebi o título Persona Non Grata por um episódio que sequer estava na Câmara. Por isso, houve uma comoção da sociedade com aquele título. Agora volta a acontecer. Uma violência desproporcional e que vem se repetindo. No início desse ano, teve uma agressão menor contra mim. Foi no momento em que havia um movimento da cultura por apoio da Prefeitura, pedindo mais atenção do Poder Executivo. Aí divulgou-se umas artes lá nas redes sociais com a foto dos vereadores e fui acusada como se eu estivesse promovendo aquilo ali. Então, as agressões são constantes e a gente precisa rebater, precisa combater e eu reafirmo aqui: vou combater tantas vezes forem necessárias na Câmara Municipal. Isso está na minha origem, na minha luta de combate ao machismo, de combate à homofobia, à LGBTfobia, ao racismo, à injustiça e a qualquer ação que eu acho que é errada e que precisa ter uma mudança de comportamento.
A governadora Fátima Bezerra, em entrevista à revista Marie Claire, que está nas bancas, revela que continua sendo vítima de ataques homofóbicos e afirma que a violência maior que tem sofrido é a de gênero. Por que a violência de gênero continua avançando, quando não deveria existir?
Porque não é fácil mudar a estrutura da sociedade. A violência de gênero é estrutural, como o racismo também é estrutural, faz parte da nossa origem, da nossa formação enquanto sociedade brasileira. Para mudar isso, leva muito tempo. A gente tem avançado muito pouco. É preciso reconhecer que ainda existe a violência de gênero, como existe a violência também contra os negros, as negras; como existe a violência social contra os pobres. A gente precisa de uma sociedade civilizada, porque esse tipo de violência não combina com o estágio civilizatório. Daí, a importância de se combater essa violência no dia a dia. O episódio que aconteceu comigo na Câmara Municipal, não podemos baixar a cabeça, nem ficar apenas lamentando o sofrimento isolado. Para mudar é preciso, sim, os embates, os combates, para que a gente possa avançar.
Apenas três mulheres foram eleitas em 2020 para a Câmara de Mossoró. Houve um recuo de quantidade na representação da mulher no Legislativo. Isso também pode ser reflexo de uma sociedade historicamente machista? Ou pode ser explicado pelo desinteresse da própria mulher pela política?
É reflexo da sociedade machista. A gente não é estimulada para entrar para a política, não há estímulo às mulheres participarem da vida pública. Isso acontece porque temos uma sociedade machista, patriarcal. A sociedade entende o lugar da mulher como um espaço privado, infelizmente. O espaço da mulher não pode se restringir ao privado, ela deve estar em todos os espaços da vida pública e a política é um desses espaços. Quando chega uma disputa eleitoral, apesar de a lei já ter avançado um pouco, mas não avançou o suficiente, a mulher não tem os seus espaços respeitados. A gente vê ainda, na formação das chapas proporcionais, os partidos colocando mulheres “laranjas” (candidaturas fictícias para preencher a cota de gênero). Isso é muito grave e, infelizmente, a maioria acha que é coisa banal, mas não é banal, é um crime. Quando se faz isso é porque os partidos tendem a fortalecer as candidaturas masculinas, por isso, é preciso avançar ainda mais para que a participação das mulheres seja efetiva.
Mas, por que as mulheres não participam da política, não tomam a iniciativa?
Não é porque elas não querem, é porque não há incentivo. Historicamente, as candidaturas são mais dos homens, eles são mais valorizados, têm mais recursos, mais apoio, mais espaços, enquanto as candidaturas de mulheres não recebem o mesmo tratamento. Mas, a gente vai caminhando para modificar essa realidade.
O PT de Mossoró saiu fragilizado da disputa pela Prefeitura em 2020, quando a candidata deputada Isolda Dantas foi apenas a terceira colocada com 8.051% dos votos. Esse resultado pode impactar no desempenho eleitoral do partido em 2022?
Eu acho que não. O PT está muito forte para as eleições do próximo ano. Eu acho que aquela fase do antipetismo foi muito mais forte em um período anterior. Com relação ao resultado adverso da candidatura de Isolda em 2020, foi muito mais porque a população queria derrotar Rosalba (ex-prefeita Rosalba Ciarlini) e viu em Allyson Bezerra essa possibilidade. Entre Allyson e Isolda, as pessoas perceberam que Allyson tinha mais chance. Acabou prevalecendo o voto útil para derrotar Rosalba.
O PT está trabalhando a formação de uma chapa à Assembleia Legislativa que tenha maior número de candidaturas de mulher. É uma forma de valorizar a mulher na política, mas também de aproveitar as novas regras eleitorais, que reservam espaço maior para a candidatura feminina. Nesse contexto, a senhora poderá ser candidata à deputada estadual em 2022?
Eu não posso negar que tem pessoas, grupos, que estão me estimulando a participar do pleito do próximo ano. Esse incentivo vem de dentro do partido, como também de pessoas de outros espaços, não necessariamente da esquerda. Mas, ainda não temos discussão acumulada nesse sentido.
Mas, o tempo está ficando curto...
É verdade, mas não temos uma decisão nesse sentido.
A possibilidade de candidatura da senhora não deve ser descartada, é isso?
De forma mais efetiva, em virtude do mandato que estamos exercendo, eu já aprendi que a gente nunca pode dizer nunca, principalmente no campo da política. Então, o que eu posso falar hoje é que não temos nenhum acúmulo de discussão em relação à candidatura.
PT e o MDB do Rio Grande do Norte estão discutindo a possibilidade de uma aliança para as eleições 2022. O ex-presidente Lula, quando esteve em Natal, defendeu essa aliança abertamente, mas há divergência dentro do partido. Há uma ala que não pretende essa aliança por considerar que é um retrocesso. Qual a posição da senhora em relação a isso?
Eu estou aguardando ainda para ver como é que vai se dar essa aliança. Não há nada decidido, eu vejo muita especulação na verdade. Sim. Eu não gosto de me posicionar se não tenho as informações precisas; eu não falo com base em achismo. Por enquanto, eu não vou me posicionar em relação a isso.
Faça uma avaliação dos primeiros dez meses da gestão do prefeito Allyson Bezerra...
O prefeito Allyson Bezerra está naquele grupo que trabalha muito com a imagem. É muita coisa na imagem e uma ilusão para sociedade ou, talvez, para ele mesmo, para a equipe dele mesmo, de que as coisas estão funcionando muito bem. É uma ilusão e que aos poucos essa ilusão não sobreviverá diante da realidade. Eu percebo que o prefeito vem cometendo um equívoco, que vamos chamar de amnésia na administração pública.
Como assim?
É uma desconstrução da memória na administração pública, através da retirada de servidores públicos que estavam há muitos anos realizando um serviço importante, independente de qual gestão esteja. Allyson vem tirando essas pessoas desses locais, isso prejudica o desempenho do serviço público. Por quê? Porque quando se trabalha em um setor há dez, quinze, vinte anos, você consegue compreender melhor como funciona e quais são os caminhos para resolver as demandas da população. Hoje, a gente vê muita coisa errada porque as pessoas que faziam o serviço foram retiradas e as que estão entrando não têm conhecimento necessário que lhe permita resolver os problemas.
Cite exemplo...
Muito se faz propaganda do Centro de Reabilitação de Mossoró e até hoje, com dez meses de gestão de Allyson, a Prefeitura não conseguiu habilitar essa importante unidade no Ministério da Saúde. Isso significa que o município está deixando de receber 345 mil reais por mês, está deixando de atender a população de Mossoró e de toda a região. Trata-se de um serviço que realmente deveria ser ofertado. Outro exemplo é que o prefeito faz uma propaganda grande com o neuropediatra, que vai atender duas vezes em um mês. É importante o neuropediatra? É, mas o certo não é só isso, ele precisa ser habilitado com toda a equipe multiprofissional. Tem muitas outras coisas, como o cancelamento de contatos para fazer nova licitação e até hoje nós não vemos solução. Isso é muito negativo, acho que há excesso de imagem e cria uma cortina de fumaça. Esse excesso de imagem é o que leva à omissão. Com certeza. Já venho dizendo que o prefeito está muito mais suscetível aos erros e esses erros começam a ser percebidos pela população.
A senhora está se referindo à filmagem da cirurgia ginecológica, que causou espanto na cidade e no país?
Aquilo foi uma coisa absurda, que mostra uma face do prefeito revelada à sociedade, a face egoísta, autoritária e extremamente narcisista, de olhar pra si, de se achar um exemplo, o melhor e tudo mais.
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