Por Fábio Vale /Repórter do JONAL DE FATO
Tradicionalmente, os atos fúnebres incluem etapas como velório e sepultamento. Ou seja, no geral, quando alguém morre, seja por causa natural (como doenças) ou de forma violenta (como homicídios e acidentes de trânsito), o processo inclui o registro do falecimento em um órgão oficial, como Institutos Médicos Legais (IMLs), hospitais e Serviços de Verificação de Óbito (SVOs), dentre outros, antes de familiares e amigos procederem com as devidas cerimônias, que termina com o enterro do ente querido.
Mas, há situações em que parte dessas etapas fúnebres não é realizada ou acontece de outra forma. É o caso de corpos considerados como 'sem identificação', ou ditos 'indigentes'. São indivíduos que não tiveram a identificação oficial constatada, seja pela falta de documentação, seja pela ausência de parentes que não reclamaram o corpo, até mesmo, ainda por poder não ter tido conhecimento do óbito em questão. O assunto, então, vira um caso de saúde e até de segurança pública.
Em todo o país, essa prática é comumentemente adotada nessas situações específicas. Só para se ter uma ideia dessa recorrência de casos, entre 2018 e 2020, cerca de 50 corpos foram enterrados como indigentes no Amapá. O estado da região Norte do país adotava como procedimento em situações de mortes sem identificação, aguardar o prazo de 15 dias para busca, mantendo os cadáveres em geladeiras de conservação. A medida incluía ainda realização de teste de papiloscopia - identificação por meio das digitais - para verificar a existência da identidade no banco de dados; e coleta de amostra de DNA para armazenamento.
No estado do Amazonas, somente entre janeiro e setembro de 2018, o IML da capital Manaus realizou o sepultamento de 72 pessoas ditas indigentes; número 17% maior em comparação com o mesmo período do ano passado, quando ocorreram 60 sepultamentos de mortos sem identificação, segundo material divulgado na época pela Agência Brasil.
Defensoria Pública
Em junho de 2019, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte (DPE/RN) conseguiu na justiça garantir a uma família o direito de sepultar um parente que faleceu sem possuir documento oficial com foto. A decisão foi necessária para que o Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP) pudesse liberar o corpo e o sepultamento aconteceu um mês após o óbito.
Itep Mossoró deve sepultar próxima semana 11 corpos sem identificação
No Rio Grande do Norte, também é realizado o procedimento de sepultar corpos considerados como 'sem identificação', ou ditos 'indigentes'. Na segunda maior cidade do estado, está programada para a próxima semana o sepultamento de mais de dez indivíduos nesta situação.
A unidade do Instituto Técnico Científico de Perícia (ITEP), em Mossoró, divulgou na última quarta-feira (16) que 11 corpos, todos sem identificação, estão nas geladeiras de conservação do órgão e deverão ser enterrados como indigentes nos próximos dias. A direção da unidade explicou que os corpos registrados como indigentes são aqueles que ficaram sem reconhecimento, seja por documento ou por algum familiar.
A informação é de que existem corpos que foram reconhecidos por familiares, mas como não têm nenhum documento oficial de identificação, depende de autorização da Justiça para serem liberados. Já outros, ainda não teriam sido procurados pelos familiares. O sepultamento é feito em parceria com a prefeitura de Mossoró, e cada corpo é sepultado em cova única, com registro fotográfico e documental realizado pelas equipes do Instituto de Medicina Legal do Itep e do Cemitério Público.
A subcoordenadora regional - ITEP Mossoró, Talita Pascaly, confirmou em contato com a reportagem que serão realmente 11 corpos que serão inumados ou sepultados. Ela explicou que antes do procedimento, os corpos são mantidos em câmaras frias e as ossadas em urnas plásticas; e detalhou que o perfil é predominantemente de homens, possivelmente entre 16 a 50 anos de idade. Além disso, Talita Pascaly pontuou que as causas das mortes são indeterminadas e resultantes de ação contundente; e que já as datas dos óbitos são impossíveis determinar, pois, a maioria são ossadas.
Ela disse ainda que a falta de documentos e identificação é o que caracteriza para que um corpo venha a ser considerado indigente, e que a unidade atualmente não possui dados/números de quantos corpos ditos indigentes já foram sepultados pelo Itep Mossoró nos últimos anos. “O Itep emite um ofício ao cemitério, solicitando para que autorize o sepultamento desses corpos. No ato do recebimento do ofício, o cemitério já nomina a cova com o lote. Este lote fica oficializado a cada cadáver. Concluindo esta etapa, o Itep tem a equipe para fazer todo acompanhamento e registros”, detalhou.
A reportagem manteve contato com a Comunicação da Prefeitura de Mossoró para obter informações do Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do Município envolvendo casos de pessoas consideradas indigentes, mas, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.
Corpos acumulados
Uma inspeção realizada pelo Ministério Público no começo de 2019 na sede do ITEP/RN para identificar o motivo do atraso de laudos de necrópsias constatou acúmulo de cadáveres no órgão, com 79 corpos sem identificação acumulados no local. Após a averiguação, o Itep anunciou que deu início a um mutirão para registro e identificação dos corpos. Em fevereiro de 2017, pelo menos 15 corpos ou ossadas de pessoas não identificadas também foram encontradas acumuladas no Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep) de Natal, à espera por vagas nos cemitérios públicos da cidade.
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