Segundo o levantamento solicitado pela reportagem do JORNAL DE FATO A PRF do RN, foram 40 óbitos em 2017; 28 em 2018; 24 em 2019; mais 28 em 2020; e outros 28 em 2021. Além disso, foram 495 acidentes graves nestes cinco anos mapeados pela corporação
Por Fábio Vale / Repórter do JORNAL DE FATO
Quase 150 pessoas morreram em acidentes de trânsito na BR-304, no Rio Grande do Norte, entre 2017 e 2021. Os dados são da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e dão conta também de 495 acidentes graves nestes cinco anos levantados pela corporação a pedido da reportagem, que conversou com um ativista que defende a duplicação da rodovia e que atualmente coleta assinaturas de políticos da região em prol dessa medida. Há quase dois anos, ele perdeu o filho de seis anos em uma batida de carro em um trecho dessa estrada.
O caso trágico que tirou a vida do filho do farmacêutico Clélio Diogo Soares, de 36 anos de idade, trouxe uma perda irreparável para a família e, também, entrou para as estatísticas da PRF. Números repassados pela instituição mostram que foram 148 mortes na BR-304, em trechos do território potiguar, entre 2017 e 2021. Segundo o levantamento solicitado pela reportagem a corporação, foram 40 óbitos em 2017; 28 em 2018; 24 em 2019; mais 28 em 2020; e outros 28 em 2021. Além disso, foram 495 acidentes graves nestes cinco anos mapeados pela corporação.
Desse total, foram 132 em 2017; 90 em 2018; 93 em 2019; 92 em 2020; e 88 em 2021. Os dados da PRF/RN repassados nesta semana à reportagem dão conta também de 382 feridos em acidentes na BR-304, no estado potiguar, somente em 2017; além de 357 em 2018; 397 em 2019; 329 em 2020; e 293 em 2021, totalizando 1.758 feridos em colisões nessa rodovia. O levantamento também traz estatísticas sobre os acidentes em geral registrados na também conhecida “Estrada da Morte” ou “Rodovia do Perigo”.
De acordo com os números da PRF/RN, foram 348 ocorrências em 2017; 308 em 2018; 311 em 2019; 283 em 2020; e 271 em 2021, totalizando 1.521 acidentes na BR-304, em solo potiguar, nestes cinco anos. O levantamento traz ainda dados referentes aos dois primeiros meses de 2022. Foram 43 acidentes, 12 acidentes graves, 56 feridos e três mortes notificadas entre janeiro e fevereiro deste ano na referida rodovia. O mapeamento apresenta também um comparativo com a quantidade de casos registrados na BR-304 no estado do Ceará, que faz divisa com o RN, e onde ocorreram 20 mortes, 66 acidentes graves e 265 feridos, entre 2017 e 2021; números esses bem menores do que os do estado potiguar.
Retornos
A reportagem encaminhou e-mail para a assessoria de imprensa do Ministério da Infraestrutura para obter informações sobre como anda a atual situação da BR-304 no RN, quais ações em prol da rodovia, como anda a duplicação do trecho mais conhecido como “reta Tabajara”, e sobre o restante da rodovia entre Natal e Mossoró, e a orientação foi a de procurar a assessoria do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), que não deu um retorno até o fechamento desta matéria.
Já a assessoria da Procuradoria da República no RN (PRRN) informou ter um certo histórico de ações envolvendo a referida rodovia, deixando claro que podem ter outros procedimentos em sigilo que não informados pelo sistema de pesquisa do órgão. A PRRN listou, dentre outros, um procedimento preparatório de 2015 sobre má conservação da estrada, entre Natal e Mossoró, com incidência de buracos, animais e acidentes; além da apuração de pelo menos quatro denúncias em 2018 e 2020 de supostas irregularidades nas obras da reta Tabajara.
"Precisamos dar um basta nessa insegurança que é a nossa BR-304", defende ativista pela duplicação da rodovia
"Precisamos dar um basta nessa insegurança que é a nossa BR-304". A assertiva é do ativista pela duplicação da rodovia no Rio Grande do Norte, Clélio Diogo Soares, que em maio de 2020 perdeu o filho de seis anos em um acidente automobilístico em trecho da estrada na altura do município potiguar de São Rafael.
De lá para cá, o farmacêutico de 36 anos de idade vem defendendo a luta pela duplicação da BR-304. que corta, principalmente, a distância entre as duas maiores cidades do RN: Natal e Mossoró. Como forma de divulgar informações sobre essa causa, Clélio criou o perfil "lutonabr304" em uma rede social, onde ele se define como "Ativista pela duplicação da BR 304". Em contato com a reportagem, ele contou que a campanha pela duplicação da rodovia surgiu após a dolorosa perda do filho de seis anos em um acidente automobilístico na referida estrada.
"Gabriel era uma criança com seus poucos 6 anos de vida e muitas coisas que deixaram de serem vividas pela imprudência e irresponsabilidade de um condutor que não respeitou as regras de trânsito e causou acidente grave que também foi fatal para sua própria vida", disse Clélio, explicando que o objetivo da campanha é "solidarizar a toda a comunidade norte-rio-grandense e a classe política federal e estadual de que precisamos dar um basta nessa insegurança que é a nossa BR-304".
Ele afirma que a duplicação da rodovia é algo fundamental para todo o estado até mesmo pelo fato dela cortar um importante eixo comercial e de trânsito entre a capital e a região Oeste potiguar. "Nesse eixo rodoviário, todos os dias, milhares de pessoas arriscam suas vidas, empresas arriscam seus empregados e seus produtos; não existe economia sem vidas, assim como não existe vidas sem economia. Precisamos urgente que medidas sejam tomadas e que essa duplicação seja priorizada o mais rápido possível", asseverou.
Clélio conta também que tem sido muito difícil lidar com a perda do filho. "Em primeiro lugar, Deus, que desde o dia da perda tem sido o meu sustento diário, sem Ele é impossível passar por esse vale de dor e não desistir de viver. Perder um filho é realmente algo antinatural e muito doloroso que gostaria que nenhum de nós corrêssemos o risco de passar por isso, mas, infelizmente é uma realidade dura desse mundo, nós podemos sim perdê-los para a violência, para imprudência, para as doenças e tantas outras coisas cruéis dessa vida".
Ele confidencia que ainda faz terapia para lidar com a "imensa dor emocional da saudade" e voltar ao ritmo da vida antes do acidente acontecer. "Assim, com o passar do tempo nós entendemos que precisamos prosseguir a vida crendo, mantendo a esperança no reencontro com nosso filho um dia. Para ajudar também nesse processo de lidar com a dor decidimos ter outro filho logo e para nós foi uma excelente decisão. Agora nós temos uma filha linda, a Beatriz que é sem dúvidas nossa maior força para lidar com a saudade todos os dias do Gabriel. Deus permitiu que ela viesse bem parecida fisicamente com ele, então é sempre uma lembrança viva para nós a partir de agora", contou ele.
Ativista coleta assinaturas de políticos da região e defende maior rede de atendimento hospitalar
Em meio às ações em prol da luta pela duplicação da BR-304, Clélio Diogo planeja coletar assinaturas de políticos da região e defende uma maior rede de atendimento hospitalar no socorro às vítimas de acidentes na rodovia. Ele revela que quando começou essa luta não tinha perspectiva nenhuma da proporção que ela tomaria.
"Após conseguir não só mobilizar uma boa parcela da sociedade norte-rio-grandense, mas, também a classe política, hoje vejo que existe uma faísca de esperança sendo renascida no coração de cada cidadão que tem abraçado comigo essa causa. A princípio, eu tinha colocado como objetivo reunir assinaturas da câmara de Mossoró e entregá-las nas mãos do presidente da república e poder falar com ele sobre a minha perda e essa luta que estava encampando", conta, informando que, após intermediação do deputado federal general Girão, conseguiu falar pessoalmente com o presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre o assunto, durante passagem dele por Mossoró.
"Ali falei sobre minha dor e sobre essa luta e pedi para que ele ouvisse esse clamor das vidas que se perdem e toda a sociedade do RN. Após me ouvir e dar suas condolências pela minha dor, ele pediu para o ministro Rogério Marinho que priorizasse essa obra nos próximos anos", relatou Clélio, acrescentando que, então, atualmente para que essa luta não cessasse naquele momento com o presidente, decidiu criar um perfil no Instagram chamado @lutonabr304. Ele explicou que o nome traz duas conotações: a do luto pela perda, e a do verbo lutar.
"Com esse novo perfil decidi fazer novas manifestações de cobrança, união e motivação em prol dessa causa, porque desde o meu acidente para cá, muitas outras vidas já se perderam e infelizmente continuarão sendo perdidas e deixadas no esquecimento", destacou Clélio, informando que pretende viajar a todas as cidades que são cortadas pela BR-304, de Mossoró a Natal, coletando assinatura das Câmaras municipais, e que de posse dessas assinaturas, quer tentar apoio político e da sociedade para ir a Brasília apresentar essa luta na Câmara dos Deputados. Ele adiantou que já tem compromissos marcados com a Câmara de Mossoró, de Assú, e de Itajá; e que pretende visitar na sequência as cidades de Angicos, Fernando Pedroza, Lajes, Caiçara do Rio dos Ventos, Riachuelo, Santa Maria e Macaíba.
"Aqui peço aos leitores e à classe política dessas cidades que solidariamente me recebam, essa não é uma campanha política, mas sim uma campanha pela vida dos que todos os dias trafegam nessa via e também uma luta em honra à memória do meu filho Gabriel", destacou Clélio, defendendo também uma maior rede de atendimento hospitalar no socorro às vítimas de acidentes na chamada "estrada da morte". Segundo ele, atualmente, o estado só tem dois hospitais com capacidade de atender vítimas graves de acidentes, que é o Hospital Tarcísio Maia, em Mossoró, e o Hospital Walfredo Gurgel, em Natal, onde todos os graves acidentes são encaminhados para eles.
"Infelizmente, os outros hospitais das cidades citadas anteriormente não têm uma estrutura para realização de exames de alta complexidade, realização de cirurgias emergenciais, equipe de profissionais capacitados para esse tipo de intervenção de emergência que salva vidas. No meu caso, após o acidente, eu e meu filho fomos levados ao hospital de Angicos. Meu filho estava com uma hemorragia interna grave e, infelizmente, o hospital não tinha condições de fazer nenhum exame de imagem, nem mesmo um Raio X. Tem condição de aceitar isso da nossa saúde pública? Até hoje fico na dúvida de que se aquele acidente fosse próximo de um hospital com capacidade de intervir de forma rápida, se eu teria perdido o meu filho para o quadro grave que ele teve", reflete Clélio.
"Então, essa luta por um plano de atendimento mais célere dessas vítimas de acidentes na BR-304 passa justamente pela solicitação para os municípios equiparem esses hospitais municipais com centros cirúrgicos com capacidade de atender cirurgias de emergência; ter um plano de resgate por meio de helicópteros-ambulância para acidentes com crianças gravemente feridas que precisam de socorro imediato; bancos de sangue abastecidos; treinamento de equipes de socorro para identificação e remoção correta dos casos graves, entre outros pontos que vou sugerir", ressalta.
Ativista propõe medidas que podem ser adotadas pela sociedade civil e poder público para reduzir acidentes na BR-304
A reportagem também perguntou ao ativista Clélio Diogo sobre que medidas podem ser adotadas pela sociedade civil e poder público para reduzir acidentes, enquanto a duplicação não chega. "Da sociedade civil, Educação no Trânsito. De fato, isso é mais difícil do que duplicar a via. É impressionante a quantidade de motoristas imprudentes nessa BR. Todos os dias, quem vai e vem nela registra ultrapassagens que são extremamente perigosas. As pessoas não sabem as consequências físicas, emocionais e jurídicas de se envolverem em acidentes que levam à morte de pessoas que trafegavam prudentemente. Elas não entendem o que é destruir famílias por um ato de imprudência. Só sabe disso quem passa, e eu tenho exposto isso sempre nas minhas redes sociais. Para o imprudente que também morre, fica para a família dele lidar com a imprudência e as consequências e para pessoas como eu, a dor de todos os dias não ter mais meu filho do meu lado, isso é irreparável".
Ele continuou propondo ações que podem ser adotadas pelo poder público. "Do Poder público, campanhas de educação no trânsito; maior fiscalização da via com o uso de câmeras de monitoramento e drones; aumentar o quantitativo de policiais rodoviários federais fazendo a fiscalização; aplicação de multas e suspensão do direito de dirigir dos motoristas envolvidos em acidentes com vítimas fatais; campanhas de prevenção de acidentes em empresas de grande porte que usam muitos veículos nas estradas; e apoio psicológico às famílias das vítimas de acidentes na 304. Atualização da lei de infrações de trânsito que permita que o cidadão que flagre uma ultrapassagem que coloque em risco a vida de terceiros, esse cidadão possa denunciar e isso ser apurado criminal e administrativamente de forma menos burocrática.
Clélio Diogo também avaliou sobre qual a melhor solução para a duplicação da BR-304; se seria atuação do próprio poder público ou privatização da rodovia. "No que tange a proteção de vidas, qualquer solução que for a mais célere é a melhor, pois, cada vida perdida vale mais que essa duplicação. De fato, o meu ponto de vista é bem claro, eu tenho defendido que ela seja feita pelo poder público e que nós não paguemos para andar nela, esse é o cenário que peço sempre aos políticos que converso. Porém, a realidade é que a tendência do atual governo é que haja a concessão dessa via para a iniciativa privada e ela seja duplicada e passe para ser explorada comercialmente. Apesar de isso ser um ponto controverso, existem inúmeros benefícios de uma via privatizada, quem já andou em vias assim sabe a qualidade e segurança que elas possuem. Elas têm pontos de descanso, geralmente pista dupla, socorro rápido e o mais importante: o asfalto é bem conservado", ponderou, frisando que observa que há uma grande possiblidade de alguma empresa assumir essa obra e explorar futuramente.
"Então, mesmo não querendo que o cidadão pague para andar nela, eu percebo que qualquer das soluções tomadas trará o mesmo resultado objetivado aqui na luta que é a proteção das vidas e mais desenvolvimento para o RN", reforçou ele, reafirmando categoricamente que realmente acredita que algum dia a duplicação da BR-304 vai se tornar realidade. "Eu não desistirei. Eu seguirei cobrando, movimentando, fazendo o movimento crescer, fazendo com que mais pessoas acreditem junto comigo e engrosse o coro por essa duplicação. Além de todas as vidas que serão protegidas, também teremos um enorme avanço para o desenvolvimento do nosso estado", ressaltou, chamando a atenção para o fato de que semanalmente ele publica vários flagrantes de ultrapassagens imprudentes na rodovia que chegam até ele.
Clélio também contou à reportagem sobre qual o sentimento que ele tem e o que lhe vem à mente quando transita pela BR-304. "Eu evito com todas as minhas forças transitar novamente nessa estrada. Precisei ir a Natal por conta de um concurso público e para mim foi terrível passar pelo local do acidente. Passar pelo local me traz todas as terríveis memórias de ver meu filho aos poucos perdendo sua vida e meu desespero para salvá-lo. Eu realmente, se pudesse, nunca mais transitaria por ela enquanto não fosse duplicada. Cada viagem que fiz pós-acidente é recheada de uma constante dor das lembranças daquela viagem interrompida por uma imprudência. E o pior, é ver as mesmas ultrapassagens perigosas sendo feitas por outros motoristas. Eu fico irritado querendo ir atrás dessas pessoas para mostrar a minha história pra ver se ela se conscientiza e para de colocar em risco a vida das outras pessoas", disse em tom de desabafo e antes de agradecer o espaço dado ao assunto por toda a imprensa estadual.
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