Por Fábio Vale / Repórter do JORNAL DE FATO
O sistema penitenciário do Rio Grande do Norte endureceu as regras para a assistência jurídica nos presídios. A Secretaria de Administração Prisional potiguar (SEAP/RN) anunciou que os profissionais da advocacia passarão por detectores e terão tempo mais reduzido no contato com detentos. O Estado diz que adotou medidas diante de casos de advogados repassando mensagens ilícitas para presos. A Ordem dos Advogados do Brasil no RN (OAB/RN) criticou novas regras e conseguiu reverter medidas parcialmente junto à Justiça Federal.
A Seap/RN confirmou nesta segunda-feira (2) que estabeleceu novas regras para assistência jurídica nos presídios estaduais. A secretaria atribuiu a medida a “frequentes casos envolvendo um grupo de advogados criminalistas flagrados enviando e recebendo mensagens ilícitas para lideranças do crime organizado dentro das unidades prisionais”. Segundo a pasta, os advogados, agora, passarão pelo bodyscam (aparelho de raios-x semelhante aos utilizados em aeroportos) e estão limitados a 30 minutos de atendimento por cliente.
A Seap/RN disse que a decisão da secretaria foi confirmada pelo juiz federal plantonista, Francisco Glauber, na noite deste domingo (1º), após mandado de segurança impetrado pela própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com a pasta, o magistrado entendeu como “razoável e proporcional” o tempo de 30 minutos para a assistência jurídica dos advogados, visto “a necessidade logística e de observância de toda a rotina de uma unidade prisional”.
A Seap/RN afirmou que em, em seus registros, “têm casos de atendimentos de horas a fio. Um deles com quatro horas e trinta e um minutos de duração para um único interno já condenado”. A secretaria destacou que em uma unidade com três salas de atendimento, outras assistências jurídicas ficam prejudicadas. Com relação ao bodyscam, a pasta informou que o juiz entendeu que o equipamento já é utilizado “até mesmo em unidades judiciais”. “Isso não traz qualquer ofensa jurídica à dignidade da profissão”, decidiu o magistrado federal plantonista.
Medidas suspensas
A Seap/RN disse também que na decisão, o magistrado suspendeu outras medidas que a secretaria defende como necessárias para a segurança pública, como o atendimento jurídico de um preso por advogado ao dia, por unidade prisional, e a revisão dos pertences desses profissionais, inclusive da documentação. A pasta reafirmou que tal medida é importante por causa dos constantes casos de recados apreendidos dentro dos presídios e lamentou a suspensão desses pontos e asseverou que irá recorrer. A OAB/RN fala na defesa de prerrogativas e disse que irá analisar a decisão judicial a fim de decidir sobre recorrer integralmente ou não.
Estado diz ter registrado 10 casos de mensagens envolvendo advogados
A Secretaria de Administração Prisional potiguar (SEAP/RN) detalhou que encaminhou à polícia dez ocorrências envolvendo a Penitenciária Rogério Coutinho Madruga, sendo sete casos apenas neste ano. “As medidas tomadas pela SEAP são importantes porque visam impedir rebeliões, motins, homicídios e o aumento dos índices de criminalidade. Tem o objetivo de evitar eventos críticos no sistema prisional. O crime organizado está usando uma minoria de advogados para levar mensagens ilícitas e desestabilizar a paz social”, afirmou o titular da Seap/RN, Pedro Florêncio.
Para a secretaria, acredita-se, de acordo com mensagens apreendidas, que os “gravatas”, como são chamados os advogados com ligações perigosas com criminosos, chegam a receber até R$ 1 mil por intermediação das “conversas”. A pasta avaliou que tal “serviço” é importante para o crime organizado pela impossibilidade dos detentos terem acesso a aparelhos celulares. “No sistema prisional, não existem celas com energia elétrica e as revistas são extremamente rigorosas”, pontuou a Seap/RN.
A secretaria divulgou ontem detalhes do conteúdo de um dos bilhetes em poder da polícia. “Não vou mais mandar gravata (advogado) aí porque CADA IDEIA É MIL REAIS”, trouxe a mensagem de um dos bilhetes em poder da polícia. Ainda segundo a pasta de administração prisional, em uma das mensagens, levada por um advogado, constam crimes como tráfico de drogas, porte e posse de arma de fogo e movimentação detalhada financeira da organização criminosa.
A Seap/RN disse ainda que, com outro advogado, também na penitenciária de segurança máxima, foi apreendido o seguinte bilhete: “Aí XXXXX tá sabido demais. O cavalo lá eu tenho interesse mas desse valor não. O cavalo lá eu conheço. Dá pra ficar por 65 1 de leite 1 de oro 10 mil”. Outra mensagem, desta vez apreendida com uma advogada, fala da disputa por pontos de venda de drogas. “Mano velho, o que eu posso fazer para te ajudar é colocar dois aviões lá no campo, desde que pegue comigo. Se você encantar de mandar colocar avião para trabalhar com mercadoria dos outros não vai dar certo porque eu vou mandar parar”.
Outro bilhete, apreendido na sala de atendimento dos advogados, após a assistência jurídica a três internos, trata da venda de entorpecentes e produtos de roubos e furtos. O material foi apreendido e registrada ocorrência na Polícia Civil. “Foi determinado que o rapaz ia vender lá dentro do beco. Ele começou a discutir e todos pegaram a visão do que aconteceu e ele foi disciplinado”, diz um dos trechos.
Investigações
A Seap/RN informou que o vasto material apreendido no sistema penitenciário foi encaminhado à Polícia Civil e ao Ministério Público para ser objeto de investigação. A secretaria detalhou que algumas apreensões foram registradas pelas câmeras de circuito interno das unidades, inclusive casos de troca de salas de atendimento para que o advogado pudesse falar com liderança do crime organizado que sequer era cliente dele. A pasta disse que as imagens também estão em poder das autoridades e reconheceu “a importância do advogado para a administração da Justiça e para a execução penal e que os casos envolvem uma minoria".
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