Por Fábio Vale / Repórter do Jornal de Fato
A possibilidade de adoção do procedimento denominado de 'castração química' como penalidade no Brasil para casos de crimes sexuais tem gerado polêmica. A proposta que trata da implantação dessa medida está em tramitação no Congresso Nacional e tem suscitado posicionamentos contrários e favoráveis.
De autoria do senador pelo Rio Grande do Norte, Styvenson Valentim (PODEMOS RN), o Projeto de Lei n° 3127, de 2019, que teve recentes andamentos no Senado Federal nos últimos meses, dispõe sobre a castração química voluntária de reincidente em crime contra a liberdade sexual.
Segundo o teor do projeto, a proposta disciplina o tratamento químico hormonal e a intervenção cirúrgica de efeitos permanentes voltados para a contenção da libido e da atividade sexual para condenados reincidentes nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável; sendo que, com a aceitação do condenado, será então concedido o livramento condicional ou a extinção da punibilidade.
Consulta feita pela reportagem na tarde desta sexta-feira (7) junto ao site do Senado Federal, referente à tramitação do projeto, mostrou que se encerrou na última quinta (6) o prazo para interposição de recurso para apreciação da proposta pelo Plenário da Casa e, como não foi apresentado recurso, a matéria aprovada terminativamente pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) seria encaminhada à Câmara dos Deputados.
DEFESA
Por meio de suas redes sociais, o senador Styvenson tem defendido amplamente a proposta de castração química. Em postagem publicada no perfil oficial do mandato no Instagram, no fim do mês passado, ele publicou o vídeo de uma matéria sobre casos de estupros no Rio Grande do Norte, com a legenda: "No Rio Grande do Norte um pai foi preso acusado de estuprar sua PRÓPRIA filha e engravidá-la. E no outro caso, um marginal de 42 anos foi preso acusado de estuprar 12 CRIANÇAS. E ainda tem gente achando que meu projeto de lei que propõe castração química para pedófilo é pesado".
Projeto especifica que duração do tratamento não pode ser inferior ao dobro da pena máxima prevista
O projeto estabelece que o tratamento químico hormonal deve ser voltado para a contenção da libido para condenados por mais de uma vez em crimes contra a dignidade sexual, e determina que o condenado nesse tipo de delito poderá submeter-se, voluntariamente, ao procedimento.
A proposta fixa também que uma vez aceito o tratamento e preenchidos os demais requisitos legais, será concedido ao condenado livramento condicional, que não poderá ser inferior ao prazo indicado para o tratamento. A medida dispõe ainda sobre a necessidade de se resguardar a privacidade do condenado.
De acordo com o projeto, uma Comissão Técnica de Classificação poderá sugerir tratamento de efeitos análogos ao do tratamento hormonal, durante o período de privação de liberdade, cujos resultados constituirão condição para a realização ou não do tratamento.
A proposta pontua também que o início do livramento condicional ficará condicionado à confirmação do início dos efeitos mínimos esperados pela Comissão Técnica de Classificação, a qual indicará também a duração do tratamento químico hormonal.
O projeto fixa ainda que a duração do referido tratamento químico hormonal não poderá ser inferior ao dobro da pena máxima prevista para o crime praticado.
Sem retorno
A reportagem manteve contato com a assessoria de imprensa do senador Styvenson Valentim para obter mais informações sobre o assunto e encaminhou perguntas como o que motivou a proposição desse projeto; quais os principais argumentos em defesa da medida; o que ele diria para as pessoas contrárias à proposta; e que outras medidas poderiam ser adotadas pelo poder público para coibir os crimes sexuais, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. A reportagem ainda tentou contato com instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil no RN (OAB/RN) e com o Conselho Estadual de Direitos Humanos (COEDHUCI), mas também não houve retorno até o fechamento desta matéria.
Profissional da Segurança Pública do RN avalia proposta de castração química
Profissional da área da segurança pública no Rio Grande do Norte, Pedro Chê, que integra no estado o grupo Policiais Antifascismo, avaliou a pedido da reportagem a proposta que está em andamento no Congresso Nacional que trata da castração química para crimes sexuais. "Essa proposta buscou, fugindo até ao que é comum nos parlamentares ligados à segurança pública, estar tecnicamente amparada, embora há chances que venha a ser tida como inconstitucional ao ser examinada pelo STF, mesmo com a aprovação no Congresso Nacional", pontuou ele, inicialmente.
"Entendo que o mais importante nessa proposta não esteja num exame do 'bom' ou 'ruim', mas, sim o vício de perspectiva que habitualmente temos acerca das políticas públicas: buscamos soluções para atacar os problemas e desprezamos em absoluto as causas, ou seja, o cano vai continuar vazando. Essa proposta, no melhor dos cenários, não alteraria o patamar das coisas, talvez contribuindo com tímidos números (o que se tornou o objeto de consumo dos governos, todo mundo querendo um número que signifique 'queda na segurança pública' para chamar de 'seu')", acrescentou.
"Se no melhor dos cenários os ganhos seriam 'no máximo' tímidos, se torna ainda mais importante destacar que há riscos de danos colaterais a partir dessa proposta: o reforço de políticas punitivistas ineficientes. Pois já estamos cheios delas e a nossa situação não apresenta melhora, e nem irá, não da forma que estamos fazendo", complementou, comentando também se acredita que a implantação da castração química pode contribuir ou não para a redução de crimes sexuais.
"A redução pode vir a partir de números tímidos, não espere nada mais do que isso. Não sou um especialista em psicologia social, mas algumas coisas podemos tratar, até porque estão à vista de todos. Adoecimentos e Patologias de ordem individual e coletiva parecem que estão encontrando nesse nosso momento histórico um terreno propício, e enquanto não observamos a nossa forma de nos relacionarmos com nós mesmos e com os outros, o nosso modelo de vida, os mecanismos de aferição de felicidade entre outras coisas, não alteraremos essa ordem das coisas. Então, não há nada que leve a crer que teríamos uma diminuição daqueles que são por alguns chamados de 'predadores sexuais'", asseverou ele.
Estudioso pondera sobre outras medidas para coibir crimes sexuais
Pedro Chê também falou se acredita que a população se sentirá mais segurança em relação à incidência de crimes sexuais com o emprego da castração química como penalidade. "A sensação de insegurança é fluida e guarda relação duvidosa com uma dita realidade dos fatos, pois há muita coisa que interfere. O que quero dizer com isso? Peguemos a seguinte situação: um determinado estado vem continuamente melhorando alguns de seus números sobre violência, mas se politicamente este governo se encontrar fragilizado e setores da mídia vierem a reforçar em seus noticiários episódios de violência local, você terá, apesar dos números, um provável aumento da sensação de insegurança na população. Sobre a PL específica, algumas pessoas sentirão uma sensação de alívio, certo otimismo, mas infelizmente sem guardar relação com a realidade dos fatos. Adoraria que fosse diferente", afirmou.
Ele também ponderou sobre outras medidas que podem ser adotadas pelo poder público para coibir os crimes sexuais. "Políticas reativas, aquelas que são desenvolvidas depois do crime ter acontecido ou do problema ter sido criado são de baixa eficiência e muito mais cara dos que políticas preventivas. Infelizmente não posso dar essa resposta com um embasamento que eu gostaria, mas como esta aqui é uma conversa, acredito que possamos trazer algumas reflexões, embora advirta ao leitor que busque fontes especializadas", ponderou.
"Muito se fala que as patologias da mente têm início e desenvolvimento ligados à infância a partir de situações traumáticas e de abusos. Para fazer frente a isso seria importante uma assistência social fortalecida e uma escola atenta; importantíssimo uma oferta de educação sexual baseada em critérios científicos; verificar a questão infantojuvenil do vício em pornografia e etc. Gostaria, ao fim, de até ir mais longe, a nossa forma de convivência social, cada vez menos tolerante e, portanto, mais adoecida precisa passar por revisão caso queiramos realmente mudar estes e outros de nossos quadros; sem isso, mesmo boas propostas acabam perdendo eficácia, e se tornando 'mais do mesmo'”, finalizou.
Conselho de Medicina
A reportagem também procurou o Conselho Regional de Medicina no Rio Grande do Norte (CREMERN) para obter uma posição acerca do projeto de castração química, mas a assessoria de imprensa do órgão informou que não conta em seus quadros com nenhum conselheiro que entenda do assunto.
Tags: