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Postado às 09h00 | 16 Dez 2019 | Redação Mais de 530 mulheres foram assassinadas no RN entre 2015 e 2019

O número consta no “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019”', publicado pelo OBVIO na semana passada

Crédito da foto: Reprodução/Internet Perfil predominante é de vítimas pardas e negras, entre 35 e 64 anos

Fábio Vale/Da Redação

Mais de 530 mulheres foram mortas no estado potiguar entre os anos de 2015 e 2019. O quadro de violência contra vítimas do sexo feminino nesse período no estado é apontado pela publicação “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019”, do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).

Divulgado nesta semana, a edição especial 14/Ano 3 da revista “Mortes Matadas de Mulheres” dá conta de 539 mulheres assassinadas no território potiguar no período analisado. O mapeamento revela que a maioria dos casos vitimou mulheres de cor de pele parda e negra: 405 ocorrências, ou seja, 75,14%. Em seguida, figuram mulheres brancas, com 132 registros ou 24,49%. Outros dois casos ou 0,37% foram dados como cor de pele “ignorada”.

O levantamento mostra também a predominância de vítimas entre 35 e 64 anos de idade. Essa faixa etária vitimizada pela violência contra a mulher fez 152 vítimas, o que corresponde a 28,2% do total de ocorrências. Em seguida, aparecem vítimas entre 18 e 24 anos de idade; de 25 a 29 anos; de 12 a 17; de 30 a 34 anos; de 65 ou mais; e de 0 a 11 como a faixa etária com menor número de casos de mulheres mortas no período.

Quanto ao estado civil das vítimas, mulheres solteiras lideram as ocorrências, com 346 casos ou 64,19% das notificações. Em relação à escolaridade, a maioria das mulheres vítimas da chamada violência de gênero possuíam o ensino fundamental. Esse perfil predomina em 46,75% dos registros. Apenas 3,15% são listadas com formação de ensino superior. Outro aspecto revelado pelo mapeamento é de que 42,86% das vítimas não tinham atividade remunerada e outras 37,48% tinham até dois salários mínimos.

Residências lideram locais de crimes de violência contra a mulher

O que era para ser o “lar doce lar”, acaba se tornando o lugar mais perigoso para as mulheres. É o que aponta dados da publicação “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019” do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).

O levantamento mostra que a maioria das mortes foi registrada “dentro da residência”. O espaço aparece em 141 do total de casos, ou seja, 26,16%. O segundo local com mais ocorrências desse tipo de crime é vias públicas: 124 ou 23,01%. Em seguida, aparecem hospitais e prontos socorros, interior de edificações, terrenos baldios, bares e festas, estradas carroçáveis, frente à residência, equipamentos públicos e povoados e sítios.

Quanto aos dez municípios potiguares com o maior número de ocorrências, Natal e Mossoró lideram com, respectivamente, 23,56% e 12,06, ou seja, 127 e 65 casos. A publicação de 30 páginas detalha ainda que do total de crimes, 325 se caracterizam como homicídios dolosos, 141 como feminicídios, 33 como latrocínios, 32 como lesão corporal seguida de morte e oito mortes de mulheres no período resultantes de intervenção policial.

Além disso, o estudo revela também que 403 mulheres foram mortas com uso de arma de fogo; 60 por arma branca; 32 por asfixia; 15 por objeto contundente; e 14 por espancamento. Sobre a natureza comportamental da agressão, o levantamento define que a maioria dos casos se caracteriza como execução sumária: 25,60%. Outros 19,67% foram de crime passional; e 10,02% de violência interpessoal. O restante é de violência patrimonial e tráfico, dentre outros.

ENTENDA O ESTUDO

O levantamento consiste em recortes contendo a vitimização de mulheres em decorrência de condutas letais intencionais entre os anos de 2015 a 2019, período de vigência da lei Maria da Penha, resultantes de feminicídio, que são as chamadas mortes matadas de mulheres em razão da condição de mulher, ou seja, em derivação de violência doméstica e de gênero; e de femicídio para todos os outros homicídios dolosos de mulheres, como latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e os homicídios dolosos propriamente ditos, e ainda, as mortes decorrentes de intervenção policial. O estudo divulgado após o fim da campanha nacional “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres” foi produzido pelo Obvio em colaboração com Governo do Estado; Ministério Público do RN; Secretaria de Segurança; Secretaria de Mulheres; Conselho de Segurança da OAB/RN; Conselho de Direitos Humanos; e Coordenadoria de Análises Criminais.

Promotora defende que combate deve levar em conta motivação e local do crime

As ações de combate à violência contra a mulher devem levar em conta a motivação e local do crime. É o que defende a promotora de justiça de Defesa da Mulher RN e professora universitária Érica Canuto, em texto publicado no estudo do Obvio “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019”.

Para a promotora, a chamada violência de gênero, à qual mulheres do país inteiro estão vulneráveis, se diferencia da violência urbana em dois aspectos principais: a motivação e o local onde acontece. “Violência motivada por questões de gênero significa que as desigualdades construídas histórica e culturalmente se apresentam como fundamento da violência contra as mulheres”, avalia Érica Canuto.

“Quanto mais desigual, em questão de gênero, maior a violência de gênero contra as mulheres. A cultura machista, hierarquizada, com hegemonia do poder do homem, manutenção de estereótipos de masculinidade e discriminação em relação às mulheres e meninas se constitui na principal motivação da violência de gênero contra mulheres. Essa violência está nos lares e nas instâncias de poder. Não há uma instituição que não sofra seus efeitos”, analisa.

“A família, a Igreja, o Estado, as instituições de maneira geral, chancelam e naturalizam o comportamento viril e agressivo do homem, alimentando a violência de gênero, que faz do Brasil o 5° país no mundo que mais mata mulheres em razão do gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres”, complementa a promotora, pontuando que o local em que acontece a violência de gênero contra mulheres, especialmente o feminicídio deve ser um indicador de que as políticas públicas que se utilizam para combater a criminalidade urbana não servem para enfrentar a violência de gênero contra mulheres.

“As estratégias devem ser outras porque a motivação e o local em que acontecem são outros. Compreender o feminicídio como um continuum da violência, como a última instância de controle da vida de uma mulher, certamente é importante para enfrentar essa forma peculiar de violência contra mulheres. ‘Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém’ é a expressão mais dita nos processos de violência doméstica e familiar contra a mulher por parceiros conjugais que não se conformam com fim do relacionamento”, assevera.

“Esses que teimam em aceitar a liberdade da mulher na escolha em relacionar-se. Toda violência importa. Uma mulher vítima de qualquer forma de violência tem oito vezes mais risco de ser vítima de feminicídio do que uma que nunca sofreu violência, segundo o Ministério da Saúde. A pesquisa de dados publicados na presente edição Obvium Especial 14: Mortes Matadas de Mulheres, onde temos um estudo comparativo da vitimização feminina em condutas letais intencionais de 2015 a 2019 é um importante instrumento para elaboração de políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero contra mulheres e para estudos e pesquisas sobre o tema, nas mais diversas áreas de conhecimento”, finaliza.

Especialista alerta que mais de 26% dos crimes têm relação com violência doméstica ou de gênero

Legenda:

Ivênio Hermes sugere ações integradas entre diversas áreas para se combater a violência contra a mulher

 

Mais de 26% dos crimes de violência letal praticados contra mulheres no Rio Grande do Norte entre 1° de janeiro e 30 de novembro de 2015 a 2019 têm relação com violência doméstica ou de gênero. A observação em tom de alerta é do analista sociocriminal Ivênio Hermes, diante dos dados divulgados na publicação “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019” do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).

Para Hermes, a realidade dos números, vista pelo ponto de vista da proporcionalidade, é que nesse período contado de 1° de janeiro a 30 de novembro dos anos 2015 a 2019, aconteceram 539 assassinatos de mulheres, sendo que 73,84% correspondem aos crimes de homicídios em geral (femicídios), mas, 26,16% são feminicídios, ou seja, tem relação com violência doméstica ou de gênero.

“A despeito de estarmos contando com uma redução de feminicídios entre 2018 e 2019 (eram 29 em 2018 e são 2019 atualmente), esses 27,6% de a menos continuam mostrando que nossa sociedade ainda precisa se libertar do comportamento machista e misógino de muitos homens, pois é neles que reside o grande obstáculo para nossa evolução”, avalia ele, apontando que, contraponto com a redução, o medo ainda continua sendo o companheiro de muitas mulheres que veem suas vidas e a de seus filhos e filhas serem periclitadas por ex-cônjuges e parceiros de relacionamentos acabados porque eles não se conformaram com o fim da relação.

“Seria esse medo benéfico? Ele causaria pânico ou alerta? A resposta está na verdadeira não conformação de uma sociedade que deseja acabar ou minimizar o máximo possível com essa violência. O medo que essa prática da violência contra a mulher continue acontecendo faz que se evidencie os casos que ocorrem, mesmo com os números estatisticamente em redução, e destarte, se promove um alerta para aqueles homens que ainda insistem em manter esse comportamento, e outro alerta para que as mulheres reconheçam e percebam atitudes perigosas antes que seja tarde demais”, analisa Hermes.

O estudioso conta que em uma certa ocasião uma mulher confidenciou a ele que dava graças a Deus pelos relacionamentos terem sido terminados pelos homens, pois ela não se sentia ameaçada com o fim deles. “A que ponto se pode chegar numa sociedade machista em que uma mulher teme interromper uma relação com receio das atitudes do futuro ex-relacionamento? Esses traduzem uma realidade muito triste, afinal um quarto dos assassinatos de mulheres em solo potiguar se relacionam com práticas machistas ou misóginas”, reflete ele.

O especialista assevera que o enfrentamento da violência contra a mulher precisa ser uma prática transdisciplinar e transinstitucional. “É claro que as ações de investigação célere e exemplares contra feminicidas e o policiamento ostensivo/preventivo tem seu papel importante e relevantes, mas somente ações de segurança pública não tem a dimensão necessária para inibir essa prática delituosa. Nesse enfrentamento, homens e mulheres dos diversos segmentos de proteção aos direitos humanos, devem se unir em busca de soluções”, propõe, chamando atenção para a importância de não permitirmos que “nenhuma violência seja justificada, que nenhuma violência seja legitimada, pois se queremos uma sociedade de paz, não podemos aguardar que ela simplesmente se materialize diante de nossos olhos, precisamos sim agir em busca dela”, conclui.

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