Por Fábio Vale – Repórter do JORNAL DE FATO
A violência letal se manteve como uma marca negativa nos primeiros semestres dos últimos seis anos no Rio Grande do Norte. É o que aponta um recente levantamento realizado pelo Observatório da Violência (OBVIO) e que dá conta de mais de 5.500 pessoas mortas em todo o estado nos seis primeiros meses dos anos de 2015 a 2020.
Esse é o cenário descrito pela 19ª edição da Revista do OBVIUM. A publicação “1º semestre de 2020 comparado ao mesmo período dos anos de 2015 a 2019” faz um mapeamento da violência letal intencional ocorrida no território potiguar entre janeiro e junho dos últimos seis anos. O estudo de 72 páginas chama atenção, inicialmente, para o fato de que, de março até julho de 2020 os números da violência homicida revelam que, mesmo com uma pandemia mundial não houve trégua nos crimes letais contra a vida.
Baseada em dados, gráficos, mapas, figuras e ilustrações, a pesquisa mostra que, após a queda observada da violência no segundo semestre de 2018 e a grande redução no ano 2019, em 2020, a maioria dos estados, inclusive o RN, voltaram a ter um crescimento na mortandade homicida. “Mesmo em menor proporção, se comparado ao aumento que ocorrera em anos anteriores (2015 a 2017), as CVLIs no Rio Grande do Norte cresceram na comparação entre o 1º semestre de 2020 e o mesmo período de 2019”, avaliam os estudiosos Alexsandra Bezerra da Rocha, Ivenio Hermes e Járvis Campos, em trecho da revista.
“Números que nos levam a pensar no impacto da pandemia e na sobrecarga do sistema de segurança que se percebe cada dia mais fragilizado, diante da falta de capital humano e de recursos, para reconstituir esse capital. Ao mesmo tempo trata-se de números esperados, haja vista que a redução no ano anterior foi recorde, cerca de 26,3%, e manter essa redução seria muito difícil diante dos recursos disponíveis”, acrescentam eles, analisando que a pandemia trouxe fatores extras para o aumento da violência.
Os pesquisadores citam aspectos como, adaptação de grupos criminosos em buscarem outros meios de obtenção de ganho ilícito, como jogos, rinhas, assalto a mão armada, saques, agiotagem e outros; acirramento de disputas territoriais, vinganças e confrontos com policiais; e alegada falta de iniciativas do Governo Federal, dentre outros. Eles lembram também que dentre os seis primeiros meses de 2020, quatro são no contexto de pandemia, e que além desses fatores elencados há os problemas estruturais relacionados às condições gerais de vida da população, como renda, educação, e serviços públicos, considerados diretamente ligados à questão da violência.
RN tem aumento de quase 11% da violência homicida no 1º semestre de 2020
O Rio Grande do Norte registrou um aumento de quase 11% no número de crimes letais contra a vida no primeiro semestre deste ano. Segundo a revista do OBVIUM “1º semestre de 2020 comparado ao mesmo período dos anos de 2015 a 2019”, foram 807 mortes nos seis primeiros meses de 2020.
No mesmo período do ano passado, a publicação registra que foram 729 mortes, o que corresponde a um crescimento de quase 11% entre janeiro e junho deste ano. O estudo aponta que abril foi, até então, o mais violento de 2020, com 157 crimes; e junho, o menos com 120. Já no primeiro semestre de 2019, março foi o mais violento, com 149 crimes; e fevereiro, o menos, com 103.
E a violência homicida no estado também esteve presente nos primeiros semestres dos quatro anos anteriores. Foram 1.038 mortes em 2018, 1.209 em 2017, 984 em 2016 e 788 em 2015, totalizando 5.555 casos nos seis primeiros meses dos últimos seis anos. Desse total, a revista revela que quase 80% foram de homicídios dolosos; 8,6% de lesão corporal seguida de morte; pouco mais de 6% de intervenção policial; 4% latrocínio; e menos de 2% de feminicídio (80 casos).
O estudo cita que a lesão corporal seguida de morte, que representa 8,6% das ocorrências, aumentou 89,7% entre os primeiros semestres de 2015 e 2019; e que a intervenção policial, que corresponde a 6,4% do total, aumentou 117,9% no mesmo período. A violência nesse período analisado também atingiu os profissionais da segurança pública. Foram 55 mortes, entre policiais militares e civis, dentre outras categorias.
“A vitimização de profissionais da segurança pública teve nos policiais militares a metade das ocorrências (49,1%), seguido pelos policiais militares aposentados (29,1%). Infelizmente, o período de 2015-2020 foi marcado pelo aumento de 66,7% deste tipo de ocorrência”, ressaltou outro trecho da pesquisa. Já quanto à letalidade da intervenção policial, foram 357 mortos em alegados confrontos com as forças de segurança pública.
“Em relação à letalidade em intervenção policial, 95,2% das ocorrências foram em confronto com policiais militares, fenômeno relacionado à atuação dos policiais militares no policiamento ostensivo, em paralelo à concentração da violência nas vias públicas”, frisou o estudo.
Nove cidades potiguares não registraram homicídios nos primeiros semestres entre 2015 e 2020
A revista do OBVIUM “1º semestre de 2020 comparado ao mesmo período dos anos de 2015 a 2019” revela ainda que nove cidades potiguares não registraram homicídios nos primeiros semestres entre 2015 e 2020. A lista de municípios com zero caso de assassinatos neste período levantado inclui Doutor Severiano, Ipueira, Jardim de Angicos, Major Sales, Ouro Branco, Pedra Preta, Riacho de Santana, São José do Seridó e Viçosa.
A pesquisa menciona também que pouco mais de 55% das mortes se concentrou na Região Metropolitana de Natal e quase 45% no interior potiguar. A publicação revela que Natal liderou com 1.406 casos; seguida de Mossoró, com 648. Outras cidades da Região Metropolitana completam o ranking dos dez municípios mais violentos, que incluiu ainda Caicó. Na capital potiguar, bairros da zona Norte, como Nossa Senhora da Apresentação, Felipe Camarão e Lagoa Azul, lideraram o ranking com mais de 100 casos, cada. Em Mossoró, o bairro Santo Antônio e a zona rural figuraram como áreas mais violentas, com registros acima de 80, cada.
A revista detalha que apenas no primeiro semestre deste ano, ambas as localidades foram palcos para 16 e 15 crimes, respectivamente, e que o primeiro semestre mais violento em Mossoró nos últimos seis anos foi 2017, com 176 mortes; e 2015, o menos, com 95. Em 2020, Mossoró fechou o primeiro semestre com 117; e 111 em 2019. Quanto à etnia das vítimas, a tendência se mantém: pessoas pardas e pretas superaram as brancas, totalizando quase 90% dos casos.
O levantamento reforça que a cor da pele é o fator de risco para a população negra e parda no estado. Sobre a faixa etária das vítimas, jovens entre 18 e 24 anos lideram seguidos de pessoas com idades entre 35 e 64, totalizando quase 60% das ocorrências. Com relação ao estado civil, vítimas classificadas como solteiras predominam, com 71% dos casos. Além de a maioria ser descrita com escolaridade ‘ignorada’ e ‘fundamental’, e ‘sem atividade remunerada’.
Quanto ao local, vias públicas predominam; e casos motivados por “crimes de encomenda” e “violência interpessoal” lideram dentre as motivações apontadas nas mortes. Acerca do meio mais empregado para a prática dos homicídios, a tendência também nesse mantém nesse quesito. Armas de fogo figuram em quase 90% das ocorrências, seguida de arma branca, com apenas 7%, dentre outros.
Tags: