Por Fábio Vale - Repórter do JORNALD E FATO
Há exatos 61 anos, na África do Sul, 20 mil negros protestavam contra uma lei que limitava os lugares por onde eles podiam circular. A manifestação era pacífica, mas, tropas do Exército interviram e atiraram contra a multidão. O episódio, que ficou conhecido como “Massacre de Shaperville”, deixou 69 manifestantes mortos e outros 186 feridos. Em memória a essa tragédia ocorrida no dia 21 de março de 1960, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
Passado mais de seis décadas do ocorrido, a discriminação racial, apesar de determinados avanços, ainda é uma problemática enraizada na sociedade. A questão perpassa diversas áreas e tem ligação também com o setor da segurança pública, externada por meio do efeito letal dessa prática: a violência homicida contra pessoas negras. Para estudiosos no assunto, uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal na população negra.
“Enquanto os jovens negros figuram como as principais vítimas de homicídios do país e as taxas de mortes de negros apresentam forte crescimento ao longo dos anos, entre os brancos os índices de mortalidade são muito menores quando comparados aos primeiros e, em muitos casos, apresentam redução”, assevera trecho do Atlas da Violência 2020, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), chamando a atenção para o fato de que o cenário de aprofundamento das desigualdades raciais fica mais evidente ainda nos indicadores sociais da violência, com uma grande disparidade entre negros e não negros.
Segundo a publicação, apenas em 2018, para citar o exemplo mais recente, o Rio Grande do Norte foi a segunda unidade federativa do país com a maior taxa de homicídios de negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE): 71,6. O ranking foi liderado pelo estado de Roraima, com a taxa de 87,5. O estudo destaca que no Atlas da Violência 2019, o RN figurou como o estado brasileiro com o maior índice de assassinatos contra pessoas negras. Na produção de 2020, aparecem ainda no topo negativo, no Atlas da Violência 2019, Ceará (69,5), Sergipe (59,4) e Amapá (58,3).
“Considerando-se o percentual de crescimento da taxa de homicídios de negros nos últimos dez anos (2008-2018), novamente o Rio Grande do Norte perde a primeira posição, que ocupava na edição anterior deste Atlas, mas, desta vez, para o Acre, que registrou um aumento de 300,5% nesse período, seguido de Roraima (264,1%), Ceará (187, 5%) e Rio Grande do Norte (175,2%). Em contrapartida, estados da região Sul e Sudeste registraram as menores taxas de homicídios de negros em 2018 – São Paulo (9,8), Santa Catarina (12,6), Paraná (17,7), Minas Gerais (19,9) –, juntamente com o estado do Piauí (20,3). As maiores reduções de taxas do decênio estiveram majoritariamente concentradas nas seguintes UFs: Distrito Federal (-54,7%), São Paulo (-47,3%), Espírito Santo (-39,2%), Paraná (-30,8%), Alagoas (-27,0%) e Pernambuco (-20,9%)”, detalha a pesquisa.
Homicídios de negros cresceram mais de 185% no RN entre 2008 e 2018
Dentro da perspectiva do Atlas da Violência 2020, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), chamando a atenção para o fato de que uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal na população negra, a própria publicação aponta que homicídios de negros cresceram mais de 185% no Rio Grande do Norte, entre 2008 e 2018.
Segundo o estudo, o aumento percentual no estado potiguar foi de 185,7, dentro dos dez anos pesquisados. O número de mortes passou de 558 em 2008 para 1.594 em 2018. Dentro dessa década, o quantitativo de casos só fez aumentar cada vez mais. O levantamento mostra que em 2009 foram 621 registros, seguido de 633 em 2010; 813 em 2011; e 861 em 2012. Os próximos seis anos seguintes ultrapassaram da casa de mil homicídios de negros; sendo 2017 o mais violento, com 1.928 notificações.
No acumulado de casos neste período de dez anos, o RN totaliza 12.263 homicídios de negros. No ranking nacional, o RN figura como o quarto estado do país com maior aumento percentual de mortes, atrás apenas de Acre, Roraima e Ceará. A publicação chama a atenção para o fato de que, “em quase todos os estados brasileiros, um negro tem mais chances de ser morto do que um não negro”; e ressalta que “quando o assunto é vulnerabilidade à violência, negros e não negros vivem realidades completamente distintas e opostas dentro de um mesmo território”.
O estudo aponta que em 2018 o risco de um negro ser morto no RN foi 4,3 mais que um não negro. Sendo que Alagoas foi o estado com maior diferença de vitimização: 17,2. Ao citar esses dados, outro trecho da publicação reafirma que o racismo e a racialização incidem sobre a violência. Outro estudo também do FBSP também chama atenção para esse cenário preocupante. O Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2020 traça o perfil dos grupos de risco das mortes violentas intencionais no país e observa que os homens jovens negros são as principais vítimas da violência letal no país.
“Quando se fala em mortes violentas intencionais no Brasil, contudo, o principal grupo de risco não são apenas os homens, mas, sobretudo, os homens negros”, pontua trecho do estudo acrescentando que “a associação entre os fatores sexo masculino e raça/ cor negra eleva o risco de uma pessoa ser vítima de morte violenta intencional”.
Prisões para negros
O Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2020 chama a atenção ainda para o fato de que as prisões no Brasil são espaços cada vez mais destinados à população negra do país. Os pesquisadores pontuam que o perfil da população carcerária brasileira é muito semelhante aos das vítimas de homicídios: homens jovens, negros e com baixa escolaridade. O estudo cita que em 2019, os negros representaram 66,7% da população prisional do país.
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