Por Fábio Vale - Repórter do JORNAL DE FATO
Era uma tarde de domingo aparentemente tranquila no entorno do Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos da capital Salvador, quando um soldado da Polícia Militar do Estado da Bahia fardado caminhou no entorno do local e efetuou disparos de arma de fogo para cima. O fato ocorrido no dia 28 de março deste ano foi classificado pela própria PM da Bahia como um “surto psicológico”. A crise terminou de forma trágica com a morte do policial Wesley Soares.
O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) foi acionado e após 3h30 de negociação, o soldado Wesley, segundo a corporação “aparentando surto psicótico, disparou com fuzil contra guarnições do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e terminou neutralizado”. O alegado confronto ocorreu já no início da noite, após a ocorrência ter se iniciado às 14h, quando o militar chegou armado com fuzil e pistola. No dia seguinte ao ocorrido, o comando da PM disse que a tropa agiu em legítima defesa e em proteção à população; e destacou também que o efetivo da instituição conta com uma equipe de psicólogos à disposição.
Esse caso registrado na capital baiana reascende uma importante discussão sobre a saúde mental e/ou psicológica dos profissionais de segurança pública espalhados por todo o país. No Rio Grande do Norte, a preocupação acerca desse quadro também se faz presente. A reportagem encaminhou e-mail nos últimos dias para as assessorias da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESED/RN) e das Polícias Militar e Civil, para obter dados e demais informações sobre o assunto, mas, até o fechamento desta matéria não houve retorno.
A reportagem também manteve contato, por e-mail diante das restrições da pandemia da covid-19, com representantes de entidades potiguares das polícias militar e civil, que avaliaram o atual cenário acerca dessa problemática; e ainda com duas psicólogas com atuação no estado que fizeram uma análise sobre esse tema envolvendo a saúde mental e/ou psicológica dos profissionais de segurança pública.
Associação de Militares do RN diz que ‘a situação é grave e causa grande preocupação’
“A situação é grave e causa grande preocupação, pois, inexiste um acompanhamento psicológico ou psiquiátrico que atenda de forma satisfatória os policiais e bombeiros militares do Rio Grande do Norte”. A declaração é do 1º Sargento PM Rudney de Oliveira Pinto, diretor Social da Associação de Praças da Polícia Militar de Mossoró e Região (APRAM).
Em contato com a reportagem por meio de e-mail, ele avaliou a atual situação desses profissionais quanto à saúde mental/psicológica, principalmente no atual contexto de pressões por conta da pandemia da covid-19. “Do ano passado para cá, com o advento da pandemia, a preocupação aumentou, pois, seguimos trabalhando em constante exposição, em contato direto com a população, atuando na fiscalização de decretos e sem a atenção devida do Estado”.
O representante da APRAM disse que até há um órgão chamado Centro Integrado de Apoio Social ao Policial (CIASP) que conta com psicólogos, mas, que é um trabalho restrito à capital e ainda muito distante do que a categoria realmente necessita. Ele informou também que no quadro de saúde da Polícia Militar não há médico psiquiatra. Segundo o diretor social da Associação, a entidade não tem dados de agentes que procuram esse tipo de atendimento ou relataram oficialmente problemas do tipo.
Para o sargento, qualquer dado apresentado estará distante da realidade. “Primeiro, porque o serviço não é ofertado; e segundo, em razão de que o indivíduo acometido de algum distúrbio mental, por característica, raramente assume esta condição ao ponto de buscar ajuda de forma espontânea. Daí existir a necessidade de um trabalho institucional preventivo que faça a identificação e tratamento deste profissional”, avaliou.
O representante da APRAM contou que a entidade também não tem dados de quantos profissionais da área já foram afastados por isso nos últimos anos, mas revelou que recentemente foi registrado um caso em Mossoró de um militar que apresentou exaustão extrema, estresse, depressão e esgotamento físico. “Hoje ele está em tratamento, mas se tivéssemos um acompanhamento psiquiátrico preventivo por parte da instituição certamente esse profissional estaria em tratamento bem antes desse pico emocional que por muito pouco não resultou em algo mais grave para ele e demais pessoas do seu núcleo de trabalho ou familiar”, detalhou.
O sargento falou ainda sobre que ações o Estado precisa adotar para prevenir e tratar dessas situações. “Entendemos que é preciso instituir um trabalho de monitoramento contínuo de assistência psiquiátrica, levando em consideração a complexidade do problema, compreendendo que cada transtorno mental tem sinais e sintomas específicos que, sem o prévio diagnóstico, ocasionam resultados danosos aos trabalhadores da segurança e população do nosso estado”, concluiu ele.
‘Submetidos a estresse’
A reportagem também obteve retorno da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do RN (ACS-PMRN), que disse também não ter dados concretos sobre membros com saúde mental/psicológica afetada. A Associação disse ainda acreditar que esses números sejam bem elevados, tanto por causa dos traumas trazidos pela covid-19 como pela própria natureza da atividade, uma vez que estes profissionais são submetidos a estresse diuturnamente. A entidade informou também que a corporação não dispõe de nenhum psiquiatra para cuidar dos policiais e que própria Associação é que
tem um núcleo psicossocial direcionado para os associados.
Associação de policiais civis afirma que saúde mental e psicológica da categoria “está abalada”
A reportagem também entrou em contato por e-mail, tendo obtido retorno, com a Associação dos Escrivães de Polícia Civil do Rio Grande do Norte (ASSESP/RN). Em uma avaliação semelhante à da Associação de Praças da Polícia Militar de Mossoró e Região (APRAM), reportada na parte anterior, a representante da entidade asseverou que a saúde mental e psicológica da categoria “está abalada”.
Inicialmente, Carolina Campos, da ASSESP/RN, adiantou que a Associação não tinha dados oficiais para repassar, mas que poderia afirmar que realmente a saúde mental e psicológica dos escrivães está abalada. “Somos a classe com o maior déficit de efetivo da instituição e com o maior número de atribuições legais em nosso estatuto, e ainda por cima, nos sobrecarregamos com funções administrativas que extrapolam a legalidade”, disse.
Ela citou que dados de 2020 referentes à problemática “mostra o crescente afastamento por problemas psicológicos/mentais”, e mencionou que, anteriormente, o maior motivo de afastamento dos escrivães era por razões de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), doenças que atingem estruturas como músculos, tendões, e nervos. A representante da ASSESP/RN destaca que uma situação que já se apresentava assim antes da pandemia, certamente foi agravada.
“Pois, além do que antes era comumente enfrentado, nos dias atuais, temos mais um motivo de preocupação como a possibilidade de contágio, frente à falta de condições de trabalho, que agora se agravam com a obrigatoriedade de trabalhar presencialmente; a falta de consciência tanto dos usuários do serviço público quanto muitas vezes dos próprios agentes de segurança pública; e, para piorar essa equação não foram fornecidos EPIs compatíveis com o combate ao vírus, não temos máscaras adequadas, material de limpeza suficiente; e até mesmo diante de infecções em massa de efetivo de delegacias como, por exemplo, a equipe de Macaíba que praticamente toda foi acometida de covid-19 ao mesmo tempo, após inúmeras solicitações de desinfecção do ambiente, esta se foi feita, certamente não foi em intervalo de tempo adequado”, detalhou.
A representante da Associação acrescenta ainda que fora as questões habituais de falta de efetivo, falta de estrutura, em algumas unidades policiais, e a insalubridade do meio ambiente de trabalho, hoje, o policial civil se vê aterrorizado de além da possibilidade de contágio, poder contaminar seus entes queridos. “Na Assesp temos um projeto chamado Assesp Cuida que oferece atendimento psicológico gratuito aos seus associados. No entanto, não fizemos o levantamento, até mesmo pelo sigilo do atendimento, sobre quais as queixas apresentadas atualmente, ou a relação com a pandemia”, finaliza.
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