Por Fábio Vale - Repórter do JORNAL DE FATO
O gerente de uma livraria fica obcecado por uma escritora iniciante e usa as redes sociais e a internet para se aproximar dela de forma insistente. O roteiro realmente é de ficção e a trama, envolta por conflitos intensos e até assassinatos, é contada em uma série de uma emissora de streaming. Mas, situações como essa também podem fazer parte da vida real. A prática é mais conhecida como “stalking”.
No Brasil, o ato de perseguir ou assediar alguém reiteradamente na web, interferindo na liberdade e na privacidade, se tornou crime recentemente. No dia 09 de março deste ano, a medida foi aprovada de forma unânime pelo Senado Federal do país. A autora do projeto, a senadora Leila Barros (PSB-DF), dedicou a aprovação à radialista sul-matogrossense Verlinda Robles, vítima de um caso de “stalking”, em 2018, que a levou a mudar de estado, e à jornalista Jaqueline Naujorks, que levou a história às manchetes.
Em entrevistas, a senadora avaliou que o avanço das tecnologias e o uso em massa das redes sociais trouxeram novas formas de crimes; e disse acreditar que a medida é necessária para dar mais segurança às vítimas de um crime que muitas vezes começa on-line e migra para perseguição física. “É um mal que deve ser combatido antes que a perseguição se transforme em algo ainda pior. Com a nova legislação poderemos agora mensurar com precisão os casos que existem no Brasil e que os criminosos não fiquem impunes como estava ocorrendo”, afirmou.
No dia 31 de março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a lei, que foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 1º de abril. A norma altera o Código Penal e prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta. Antes, a prática era enquadrada apenas como contravenção penal, que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia, punível com prisão de 15 dias a dois meses e multa.
De acordo com a nova lei, o crime de perseguição terá pena aumentada em 50% quando for praticado contra criança, adolescente, idoso ou contra mulher por razões de gênero. O acréscimo na punição também é previsto no caso do uso de armas ou da participação de duas ou mais pessoas.Por ter pena prevista menor que oito anos, porém, o crime não necessariamente provocará prisão em regime fechado. Os infratores podem pegar de seis meses a dois anos de reclusão em regime fechado e multa.
Advogado vê lei anti-stalking como modernização do Código Penal
A sanção da chamada lei anti-stalking é uma medida de modernização necessária para o Código Penal. Essa é a avaliação do advogado com atuação no Rio Grande do Norte, Igor Hentz. Para o especialista, diretor da Hentz Advocacia, a nova lei vai ajudar a prevenir prática muito comum em tempos de pandemia e redes sociais, especialmente em casos de término de relacionamento amoroso.
“A modernidade e a mudança da vida cotidiana impõem, sempre, atualizações nas leis. Essa implementação vem em boa hora, porque esta nova lei serve para punir quem infringir e perseguir essas vítimas nas redes sociais e, por conta da pandemia, o nosso mundo virtual está acalorado e muito mais habitado”, analisa o advogado.
Ele explica ainda que essa lei não vem para substituir a tipificação de outros crimes, que podem ser correlatos ao próprio ato de “stalkear” a vítima, como, por exemplo, o assédio moral, sexual, atentados contra a honra e tantos outros que acabam ocorrendo em conjunto com a perseguição que a legislação agora veda. “O criminoso poderá incorrer nesse crime em concurso com outros, o que, no geral, servirá para aumentar a carga de punição contra quem costuma se valer desse expediente”, esclarece.
O advogado lembra que até a sanção da lei, não havia nada na nossa legislação que definisse como crime especificamente o "stalking", tendo o judiciário, muitas vezes, de se valer do uso análogo – e nem sempre apropriado – de outras disposições legais criminais e até cíveis, para prevenir e punir quem atuava dessa forma. Igor Hentz pontua que agora os casos podem incluir situações de tentativas persistentes de aproximação física, recolhimento de informação sobre terceiro, envio repetido de mensagens, bilhetes, e-mails e aparições nos locais frequentados pela vítima, além de deixar comentários em excesso por email, nos serviços de mensagens como WhatsApp e redes sociais da vítima, com teor obsessivo ou intimidatório.
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