Por Fábio Vale - Repórter do JORNAL DE FATO
No primeiro trimestre deste ano, o Rio Grande do Norte teve 104 registros de armas novas a mais do que no mesmo período do ano passado. Os números constam em dados repassados à reportagem na semana passada pela assessoria da Polícia Federal (PF), após solicitação. A discussão em torno do armamento/desarmamento da população voltou à tona com recentes decretos do Governo Federal sobre o tema e a reportagem consultou especialistas no assunto para aprofundar o debate.
Segundo estatísticas da PF, entre janeiro e março de 2021, o RN contabilizou 695 registros de armas novas. Desse total, 575 registros foram para categoria definida pelo órgão como cidadão; 83 para servidor público, com porte por prerrogativa da função; e 36 para empresa de segurança privada. Já nos três primeiros meses de 2020, foram 591 registros de armas novas no estado potiguar. O comparativo com o primeiro trimestre de 2021 mostra que neste ano já são 104 registros de armas novas a mais.
Os dados da PF detalham ainda que no decorrer do ano passado, o RN contabilizou 2.577 registros de armas novas; e que a categoria cidadão figurou com 1.973 casos. E entre janeiro e março de 2019, o número de registros de armas novas em território norte-rio-grandense foi menor do que no mesmo período de 2020 e 2021. A PF contabilizou 413 registros de armas novas nos três primeiros meses de 2019. A quantidade foi direcionada exclusivamente para a categoria cidadão. Já no total do referido ano, foram 2.006 registros.
O levantamento mostra também que em 2018 o RN totalizou 1.259 registros de armas novas, com a categoria de pessoa física predominando; em 2017, foram 1.110; em 2016, 1.506; em 2015, 1.345; em 2014, 966; em 2013, 669; em 2012, 490; em 2011, 300; em 2010, 255; e em 2009, 216 registros de armas novas no estado potiguar. O comparativo entre os últimos 12 anos permite perceber um aumento considerável nos casos, chegando ao ápice dentro desse período em 2020.
Armamento/desarmamento
A discussão sobre armamento/desarmamento da população voltou à tona mais recentemente quando, em fevereiro deste ano, foram assinados quatro Decretos (10.627, 10.628, 10.629 e 10.630) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) flexibilizando o acesso à arma de fogo, sob a justificativa de adequar “a legislação às necessidades e ao direito dos cidadãos que pretendem e estejam habilitados a possuir ou portar arma de fogo para garantir a sua legítima defesa, de seus familiares, de sua propriedade e de terceiros”.
Mas, no último dia 12, a ministra do STF, Rosa Weber, suspendeu parte dos decretos, incluindo a possibilidade de aquisição de até seis armas de fogo de uso permitido por civis e oito armas por agentes estatais. Agora, o plenário do STF julgará se mantém ou derruba a decisão da ministra. No último dia 16, começou o julgamento, onde Rosa Weber e Edson Fachin mantiveram a suspensão. O julgamento acontece em plenário virtual, no qual os ministros inserem os votos no sistema eletrônico, sem a necessidade de uma sessão ser convocada para a análise do tema. O prazo termina no próximo dia 26.
“É bastante clara a vontade do brasileiro em ter seu direito à legitima defesa reestabelecido plenamente”, diz delegado
“O Governo Federal quer atender a vontade popular que foi cristalizada nas urnas no ano de 2018. É bastante clara a vontade do brasileiro em ter seu direito à legitima defesa reestabelecido plenamente, considerando aí a existência de vários entraves nesse sentido estabelecidos pelo Estatuto do Desarmamento”. A declaração é do Delegado Regional de Polícia Civil do Rio Grande do Norte, Jaime Groff.
É assim que ele avalia a atual política do Governo Federal de flexibilizar o acesso à arma de fogo. Para Groff, que também é especialista em Segurança Pública e professor de Direito Criminal, no entanto, a via escolhida, a da edição de decretos, não é a melhor. “Um novo diploma normativo deveria ser elaborado, acabando com a necessidade de atos administrativos que, como bem se vê, sofrem ataques pela via judicial”, defende.
O delegado também avalia que as decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), “extrapolam os limites dos poderes da corte, adentram no mérito das decisões tomadas pelo Poder Executivo, e conferem ao Judiciário um caráter de ativismo que é muito pernicioso para a democracia”. Ele afirma ainda que “o conteúdo dos votos já proferidos demonstra o baixo nível de conhecimento dos ministros sobre o tema, denotando alta carga de natureza ideológica nos seus argumentos, coisa que só piora a situação”.
Segundo o especialista, não há relação de aumento de mortes violentas com a ampliação do acesso à arma de fogo. “Muito pelo contrário. As vendas de armas de fogo batem recordes de venda a cada dia que passa no Brasil e o número de homicídios, em 2019, por exemplo, teve baixa histórica. O brasileiro tem uma relação de proximidade com o porte e a posse de armas de fogo, faz parte da nossa cultura, apesar de mais de uma década de propaganda ideológica em sentido contrário”, assevera.
“Existem exemplos e números absolutamente claros demonstrando que o armamento da população, ao contrário do que pretendem alguns estudos enviesados, promove a paz social”, acrescenta ele, elencando fatores que devem ser considerados dentro de uma política de ampliação de acesso à arma de fogo. “Idoneidade daquele que está adquirindo a arma, e com isso quero dizer que o cidadão não deve possuir histórico de condenações criminais ou mesmo estar respondendo qualquer tipo de querela na seara criminal”.
Outros critérios citados pelo delegado e professor de Direito Criminal para o acesso à arma de fogo incluem também a solicitação de preparação e conhecimento sobre as regras de segurança para manuseio de uma arma de fogo. “Indo além dessas duas situações, entramos em terreno pantanoso, como o exame psicológico, que tem baixíssima garantia de resultado e é altamente subjetivo e falho”, avalia ele.
Jaime Groff conclui mencionando que medidas o poder público e a sociedade civil devem adotar em prol da segurança pública, além de políticas de flexibilização do acesso à arma de fogo. “Priorizar, de fato, a segurança pública como uma política de Estado. E não quero dizer coisa de outro mundo com isso, mas, apenas o básico como cuidar do efetivo das polícias”, recomenda, chamando a atenção para a situação do RN, com uma alegada demora na realização de concurso público para a Polícia Civil e consequente déficit no efetivo.
“Será que todos os dirigentes que passaram pela cadeira do Governo do RN nos últimos 20 anos, considerando essa informação, priorizaram a segurança pública em termos de investimento?”, finaliza ele, em tom de questionamento.
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