Por Fábio Vale/Repórter do JORNAL DE FATO
"Não vou me calar. Por mim e por todas as mulheres que sofreram violência." "Fui agredida brutalmente pela pessoa que eu tanto me dediquei. Todos sabem quanto eu o ajudei. Quanto eu queria bem a ele. Seja homem pelo menos uma vez e pague pelos danos que você está me fazendo e fez em todas as suas ex-mulheres, tão vítimas quanto eu!".
Os relatos corajosos e emocionados, em tom de desabafo e denúncia, são da cabeleireira, maquiadora e designer de unhas, Natália Abade. Moradora da cidade de Extremoz, localizada na região da Grande Natal, no Rio Grande do Norte, ela tornou público nesta semana, por meio das redes sociais, as alegadas agressões praticadas contra ela pelo próprio companheiro. Por meio de uma série de postagens na internet, incluindo fotos e vídeos, Natália externou sua decepção e revolta com o ocorrido, e pediu por justiça.
"Quero justiça. Fui agredida brutalmente. Quase morri. Preciso que a justiça faça algo. É inadmissível uma pessoa bater em uma mulher dessa forma e ficar impune. Eu estou com medo, minha família assustada sofrendo por mim", escreveu Natália em outra publicação, citando o nome do agressor e dizendo que seu corpo está cheio de marca e dor por conta da "agressão brutal" praticada por ele contra ela.
Natália também conta que a polícia civil já abriu uma investigação para apurar o caso. "Minha alma nem existe mais. Preciso recuperar minha dignidade", desabafa ela, relembrando o ocorrido. "Passei momento de tormento e incerteza. Por minutos fui agredida, prestei depoimento, fiz corpo e delito, fui liberada. Menos de 24h o agressor estava livre, trabalhando e eu em casa sofrendo, revoltada! Quero justiça. Não é certo eu ficar com medo e o agressor livre! Não vou desistir enquanto a justiça não for feita", relatou em outra postagem.
"Estou aqui. As marcas indo embora. Porém, a dor da impunidade me assombra. Não consigo dormir. Tenho crises de ansiedade. A sensação de alguém está me olhando. Como pode uma lei não nos ajudar? Estou destroçada. O agressor solto e eu presa, como pode? Como pode uma pessoa que se dizia ser o meu amor e quis tirar a minha vida?", questiona ela, que tem um filho de seis anos. A reportagem encaminhou e-mails para as assessorias de imprensa da Polícia Civil do RN e também para o Tribunal de Justiça do Estado para obter uma posição sobre o caso, mas, até o fechamento desta matéria, não houve retorno.
Logo após o ocorrido, a Prefeitura de Extremoz exonerou o homem acusado das agressões contra Natália. Ele era coordenador técnico pertencente ao quadro de servidores da Junta Militar do município. A prefeitura disse que a medida foi tomada após o município "tomar conhecimento das agressões físicas realizadas pelo ex-funcionário à sua companheira" e ressaltou que não apoia ou compactua com qualquer tipo de violência; além de incentivar denúncias a canais como o Disque 180 e os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS).
Vaquinha virtual
Com o fim de ajudar Natália, foi criada uma "vaquinha virtual" no site vakinha.com.br com o título "Apoie a coragem de denunciar violência doméstica" para Natália Felix Abade de Souza. A iniciativa frisa que além das dores físicas e emocionais, ela está impossibilitada de trabalhar para o sustento dela e do filho.
RN tem quase 40 mulheres assassinadas neste primeiro semestre
Infelizmente, casos como o de Natália reportado na parte inicial desta matéria são mais comuns do que muitos imaginam. E pior ainda que muitas das vítimas da violência contra a mulher não têm nem a chance de contar a história, pelo fato de terem a vida interrompida. Foi o que aconteceu recentemente com Anailzy Suany Marques da Costa, de 32 anos de idade, e Maria Letícia da Costa, de 15 anos.
A primeira foi morta a facadas na noite do último dia 28 dentro do próprio condomínio em que morava, em Parnamirim, região metropolitana de Natal. A polícia civil informou que o ex-companheiro dela, identificado como Gilson Bruno da Costa, de 35 anos, é considerado o principal suspeito do crime e divulgou imagens dele. A vítima já contava com medida protetiva. E o outro caso, que vitimou Maria Letícia, aconteceu na cidade de Assú.
Ela foi morta a tiros no próprio quarto no último dia 27, pelo então companheiro, que ainda ligou para a família dela para avisar do crime. Até o fechamento desta matéria, ambos os acusados ainda seguiam foragidos. Mas, esses não são casos isolados. Os números comprovam isso. Somente neste primeiro semestre do ano, quase 40 mulheres já foram assassinadas no Rio Grande do Norte.
Os dados dessa violência letal contra vítimas do sexo feminino são da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESED/RN). Segundo a pasta, entre janeiro e junho de 2021, 38 mulheres foram mortas em todo o estado; e desse total, oito casos foram classificados como feminicídio – que é o assassinato de mulher por violência doméstica e/ou de gênero. Já no mesmo período do ano passado, a secretaria diz ter contabilizado 52 mulheres mortas, sendo dez feminicídios.
Violência doméstica, estupro e ameaça
Números da Sesed/RN dão conta ainda do quadro da violência doméstica no estado. No primeiro semestre deste ano, foram 2.617 registros, contra 1.814 no mesmo período do ano passado. O comparativo aponta um aumento de 44,3% na quantidade de casos em 2021 em relação a 2020. Já quanto a estupro feminino, foram 202 apenas nos cinco primeiros meses deste ano, e 2.510 registros de ameaça.
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