Por Fábio Vale / Repórter do JORNAL DE FATO
O racismo e a violência parecem estar interligados. Pelo menos é que apontam dados de frequentes estudos nacionais sobre o assunto. Para se ter uma ideia disso, um levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, datado de julho deste ano e publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontou que foram registrados somente no Rio Grande do Norte, 1.765 casos de injúria racial, apenas no ano de 2019.
A pesquisa destaca que, neste contexto, faz-se essencial a atuação da sociedade civil organizada, nas formas da Academia, dos movimentos sociais, da imprensa e das organizações promotoras de direitos humanos (como o FBSP,) no sentido de pressionar o Estado pela efetivação de Direitos para que datas comemorativas como 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, a população negra sinta-se realmente em um cenário de respeito à diversidade e dos direitos à vida, à liberdade, e a não discriminação.
A violência letal no Brasil tem cor, sim. Os números comprovam isso. Recorrentes levantamentos de abrangência nacional constatam que a incidência de homicídios contra a população negra no país é sempre predominante. A mais recente edição do Atlas da Violência, datada de agosto deste ano e divulgada também pelo FBSP, apontou que pelo menos desde a década de 1980, quando as taxas de homicídios começam a crescer no Brasil, vê-se também crescer os assassinatos entre a população negra, especialmente na sua parcela mais jovem.
A publicação deu conta de que entre 2009 e 2019 o Rio Grande do Norte registrou o segundo maior aumento percentual do país das taxas de homicídios de pessoas negras, com o estado potiguar liderando esse cenário nesse último ano pesquisado. “Nesse sentido, a desigualdade racial se perpetua nos indicadores sociais da violência ao longo do tempo e parece não dar sinais de melhora”, destacou trecho do estudo.
Professora da UFRN avalia atual cenário de racismo e violência contra pessoas negras como "preocupante, violento e excludente"
"O cenário segue preocupante, violento e excludente". Essa é a avaliação da advogada e professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mariana de Siqueira, sobre o atual cenário de racismo e violência contra pessoas negras. Ela alerta que são urgentes as medidas de enfrentamento ao racismo estruturante.
"Ser negro no nosso país segue sendo sinônimo de uma vida marcada por preconceito, hostilidade, violência e morte", afirma a docente. "Os corpos negros são atravessados por desigualdades diversas. O racismo, a exclusão social, a desigualdade econômica, tudo isso os afeta de forma muito violenta e peculiar", acrescentou.
Mariana de Siqueira pontuou também que a população negra no Brasil é marcada pela pobreza, pelo subemprego e pela vida em áreas periféricas. "A intersecção desses fatores traz crueldade e violência para as existências dos corpos negros. A necropolítica, por exemplo, os afeta de forma mais recorrente. É como se os corpos negros fossem menos dignos de receberem proteção estatal e estivessem inseridos em um contexto em que se tolera a sua morte, prisão injusta e agressão", analisou.
Para ela, as políticas públicas de enfrentamento ao racismo, o dever de ensino da história e saberes da negritude brasileira nas escolas, as cotas raciais, a mudança de perspectiva de alguns julgados que passaram a ver a injúria racial de modo mais rigoroso, tudo isso é fator de avanço no enfrentamento ao racismo no Brasil. "Ainda assim, por ser estruturante e enraizado, o país demanda um longo caminho com novas e mais incisivas ações em prol da equidade racial", ponderou a advogada e professora universitária.
"Precisamos falar mais sobre o racismo brasileiro", defende advogada
Mariana de Siqueira fala ainda sobre que medidas o poder público e sociedade civil podem adotar na defesa e efetivação dos direitos da população negra. "O poder público deveria capacitar, de forma contínua, sistemática e recorrente, as equipes de profissionais que lidam com a tutela e garantia de direitos para que não reproduzam o racismo enraizado na sociedade brasileira em seu cotidiano profissional. Deveria, ainda, capacitar as equipes de segurança pública nesse mesmo sentido".
Ela chama atenção também para o importante papel fiscalizador da sociedade ao denunciar situações de violência racial. "Que as pessoas saibam agir para proteger pessoas em situação de vulnerabilidade em decorrência da cor da sua pele. Essas são todas medidas importantes e que servem de exemplo para uma atuação cotidiana antirracista. Leis e políticas públicas nesse sentido são fundamentais".
A docente conta que em sua trajetória profissional já atuou em casos de racismo e violência contra pessoas negras. "Além das questões técnicas e teóricas que observamos em casos assim, vemos a dor que se enraíza em quem é vítima de algo tão cruel e excludente como o preconceito racial". Como presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN, Mariana de Siqueira cita que iniciativas como o chamado Novembro Negro, com o Dia Nacional da Consciência Negra, são importantíssimas para chamar atenção da população para o tema da desigualdade racial em nosso país.
"Precisamos falar mais sobre o racismo brasileiro, sobre a urgência de seu enfrentamento e sobre equidade de raça. Desconstruir a falsa ideia de democracia racial brasileira, debater, conscientizar, tudo isso é urgente", asseverou, explicando que o racismo é crime previsto na legislação, envolve a segregação de alguém em razão da cor da sua pele e é imprescritível e inafiançável.
"Esse tipo de situação precisa ser denunciado para que possa ser investigado e punido. As vítimas de situações assim devem buscar as autoridades competentes, a exemplo da delegacia ou Ministério Público. É sempre importante, quando se fizer possível, buscar essas autoridades na companhia de um advogado ou advogada, pois essa assessoria costuma trazer segurança e encorajamento em situações dessa ordem", destacou ela.
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