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Postado às 09h00 | 10 Set 2018 | Redação Incêndio no Museu Nacional acendeu o alerta: nossas memórias estão sendo devidamente preservadas?

Crédito da foto: Marcos Garcia O Museu Lauro da Escóssia possui hoje mais de 35 mil itens

Maricelio Almeida/ Da Redação

O incêndio que transformou em cinzas o acervo do Museu Nacional acendeu em todo o Brasil o alerta: em que condições estão os prédios que abrigam hoje grande parte da memória de suas cidades? A revista DOMINGO foi à procura de respostas no Museu Histórico Lauro da Escóssia, que em 2018 completou 70 anos de existência e é o principal equipamento responsável por preservar itens que colocam em evidência, no presente, o passado de Mossoró.

A reportagem da DOMINGO foi recebida no museu, instalado no Centro da cidade, onde já funcionou a Cadeia Pública e a Câmara Municipal de Mossoró, pelo diretor do equipamento, Asclepius Saraiva, que detalhou a situação atual do prédio, destacando que, de maneira geral, a estrutura do Lauro da Escóssia está em bom estado de conservação, mas que precisa de adequações, por exemplo, no projeto de combate a incêndio.

“O museu está em um bom estado de conservação, até porque foi concluída uma reforma em 2012. Estamos com uma condição boa de atendimento ao público, mas precisamos fazer algumas adequações. Não está tudo 100%. É necessário atualizar os extintores, vermos a questão da fiação, que inclusive a equipe da Secretaria de Infraestrutura já trocou algumas fiações do quadro geral de energia, algumas lâmpadas”, pontuou Asclepius.

Segundo o diretor, esse trabalho preventivo já vem ocorrendo há algumas semanas, mas deve ser intensificado a partir de agora, em virtude do que ocorreu no Rio de Janeiro. “Mantivemos contato com o secretário de Cultura e debatemos alguns pontos. Não estamos totalmente isentos de problemas. Eles podem existir, mas estamos trabalhando para não acontecer, por exemplo, o que ocorreu no Rio de Janeiro, uma perda irreparável e de resgate impossível”, acrescentou.

Como está instalado em um prédio com quase 140 anos de história, o Museu Lauro da Escóssia enfrenta ainda problemas relativos à acessibilidade, que impedem a abertura do primeiro andar para visitação do público. A expectativa é que esse empecilho deva ser resolvido até 2019. “Temos um Salão Nobre aqui no museu, no nosso primeiro andar, com madeira ainda da fundação do prédio, em 1880, e não utilizamos esse espaço pela ausência do elevador, mas é algo que será resolvido pela Secretaria de Infraestrutura e Secretaria de Cultura”, enfatizou.

A falta de acessibilidade é lamentada por historiadores como Geraldo Maia. “A Prefeitura cedeu espaço para montar o memorial de Vingt-un Rosado, com toda a biblioteca particular dele, todos os troféus, comendas, mas está muito mais como aguardado do que liberado para acesso, em razão desse problema de acessibilidade. O Salão Nobre, belíssimo, poderia estar sendo utilizado para palestras, por exemplo, mas está inacessível”, afirmou Geraldo.

O Museu Lauro da Escóssia possui hoje mais de 35 mil itens, abrigando o mais rico acervo da região nos campos da mineralogia, paleontologia, história e arqueologia indígena, além de variada coleção de peças avulsas que fizeram a história da cidade desde a sua fundação. São preciosidades da cultura regional que incluem, por exemplo, registros em objetos e documentos do Movimento Abolicionista, Primeiro Voto Feminino na América Latina e Movimento de Resistência a Lampião.

“O museu, para quem conhece a cultura de uma cidade, ele não tem peças antigas; tem peças preciosas, valiosíssimas, que nem preço tem, tanto que o sentimento de dor para o que se passou no Rio de Janeiro é como se fosse um parente nosso que tivesse partido. Aqui nós temos armamentos da época da resistência a Lampião, artefatos que percorreram famílias e famílias”, comentou o diretor do Lauro da Escóssia.

Asclepius Saraiva destaca ainda que o Museu Lauro da Escóssia possui o maior acervo arqueológico do Rio Grande do Norte. “Temos a honra de dizer isso, preservamos aqui a maior quantidade de rochas usadas pelos índios que aqui habitaram. Temos muita riqueza aqui, não há nem como mensurarmos isso. É cultura, é arte, ciência”, complementa o diretor.

O historiador Geraldo Maia também reforça a importância do acervo do Lauro da Escóssia. “Quando se fala do primeiro voto feminino, como é que a gente prova que foi em Mossoró que isso aconteceu? Provamos isso através de um documento, um despacho de um juiz local dando a Celina Guimarães essa condição de primeira eleitora. É um documento extremamente importante para a nossa história, que está lá conservado. O museu também abriga a coleção de todos os jornais que circularam na cidade, a primeira edição do jornal O Mossoroense. É o único local onde encontramos esse material. Quem for contar a história de Mossoró hoje, consultar o que aconteceu na cidade, tem que ser através do museu.”

No Lauro da Escóssia, há também o Panteão dos Abolicionistas, uma homenagem aos heróis abolicionistas de Mossoró, preservando os restos mortais dos 28 pioneiros da abolição da escravatura na cidade, fato ocorrido em 1883, cinco anos antes de ser assinada a Lei Áurea. Também é destaque no local o acervo do fotógrafo Manuelito, composto por mais de 30 mil fotografias.

 

“O próprio prédio é o maior tesouro do museu”, diz Geraldo Maia

O prédio onde hoje funciona o Museu Histórico Lauro da Escóssia começou a ser construído em 1878, pelo juiz municipal Manuel Hemetério Raposo de Melo, então presidente da Comissão de Socorros Públicos. Foi inaugurado em 8 de abril de 1880. De acordo com Geraldo Maia, o equipamento foi erguido por uma frente de trabalho constituída por retirantes da seca que encontraram na obra uma forma de sobreviver e sustentar suas famílias.

“É um prédio de uma importância muito grande para a cidade, sendo ele próprio o maior tesouro do museu, e cenário de fatos interessantes. A sessão que declarou Mossoró livre da mancha negra da escravidão, por exemplo, aconteceu lá, assim como a prisão do cangaceiro Jararaca, em 1927, e o voto de Celina Guimarães, em abril de 1928”, contou o historiador.

O prédio foi construído em dois andares: no térreo havia porões, celas e alojamentos para o Corpo de Guarda da Cadeia Pública; no andar superior, foi instalada a Câmara Municipal, que inaugurou suas instalações em 14 de abril de 1880, data de realização da sua primeira sessão. “Foi a única sede própria da Câmara até hoje”, pontua Geraldo Maia.

A estrutura do museu foi reformada em 2012, após 12 anos parcialmente fechada para visitações. Após os reparos, o equipamento foi reaberto ao público, com salas temáticas, que incluem núcleos expositivos como geografia, o movimento abolicionista, a imprensa mossoroense, o cangaço em Mossoró e a cultura material.

 

Museu recebe em média 1,4 mil pessoas por mês

Hoje, o Museu Lauro da Escóssia tem recebido uma média de 1,4 mil pessoas por mês. Em agosto, visitantes de 68 municípios do Brasil estiveram no equipamento. “Temos um contingente de 14 funcionários. Abrimos de terça a sábado. De terça a sexta das 7h30 às 13h e aos sábados das 7h às 11h. Abrimos também em horários extraordinários. Jamais dizemos não para ninguém, porque se vier alguém de fora para se alimentar da nossa cultura, temos a obrigação de abrir as portas para serem atendidos, e de Mossoró também”, revelou Asclepius Saraiva.

Segundo o diretor, o desafio agora é ampliar esse número de visitantes, com medidas como abrir o museu aos domingos e aos sábados à tarde. “Eu percebo de que quem vem de fora um brilho nos olhos. Eu queria que o mossoroense tivesse esse mesmo brilho. Eu quero abrir aos domingos, aos sábados à tarde. Somos divertimento, entretenimento, história, cultura. E eu quero que o nosso museu seja ainda mais visitado”, reforçou.

Por fim, Asclepius Saraiva revela os critérios para o Lauro da Escóssia receber e expor itens à população. “Há muitas pessoas que querem deixar os objetos aqui para se desfazer. Mas o que queremos é resgatar a história, saber se a peça faz parte realmente do passado de Mossoró, temos que pesquisar isso. Se agregar valor à história de Mossoró, com certeza vamos receber esse item e colocar no local adequado para tornar viva essa memória, afinal, sem passado, não temos presente. Sem presente, jamais teremos futuro”, concluiu.

 

Museu do Petróleo e Museu do Sertão

Além do Museu Lauro da Escóssia, Mossoró também possuiu outros importantes equipamentos de preservação da história, como o Museu do Petróleo, localizado na Estação das Artes Elizeu Ventania, e o Museu do Sertão, instalado na Fazenda Rancho Verde, estrada de Alagoinha, a 4 km da zona urbana.

O Museu do Sertão preserva e exibe objetos, utensílios domésticos, implementos agrícolas, apetrechos de trabalho, equipamentos e máquinas do setor produtivo dos habitantes do sertão do semiárido nordestino. Foi inaugurado em 31 de agosto de 2003 e tem à frente o professor Benedito Vasconcelos Mendes.

Já o Museu do Petróleo apresenta uma exposição permanente e autoexplicativa, contando a história do petróleo no Brasil e em especial das bacias petrolíferas no Rio Grande do Norte e região de Mossoró. Segundo o chefe de departamento da Estação das Artes, Evandro Medeiros, o equipamento está aberto ao público de terça a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Nos sábados e domingos, a abertura se dá mediante agendamento.

“O museu é autoexplicativo, porém temos estagiários para explanar os assuntos, como também alguns agentes de turismo que são contratados por escolas que se disponibilizam a ir ao local”, esclarece Evandro Medeiros, complementando que o museu precisa de reparos nas centrais de ar, responsabilidade essa que é, conforme o chefe do departamento, da Petrobras.

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