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Postado às 11h30 | 09 Jun 2019 | Redação Djamila: “Temos que ser responsáveis pela sociedade que queremos”

Crédito da foto: Marcos Garcia Filósofora e escritora Djamila Ribeiro

André Bisneto - Da Redação

“Lá vem a Djamila”.

O sotaque sulista carregado preencheu o saguão do hotel. Sentada em um canto, sob a luz fraca que dava um tom melancólico ao ambiente, a assessora avistava de longe a filósofa. Embora amplo, a enorme quantidade de espelho tornava o saguão ainda mais longo e espaçoso. Alta e esguia, a escritora atravessou brevemente todo o ambiente com passos firmes – dissipando a sensação de espaço no lugar.

Djamila Taís Ribeiro dos Santos nasceu em 1° de agosto de 1980, na cidade de Santos (SP). Graduada em Filosofia, tornou-se mestra em Filosofia Política na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em 2015; também atuou como secretária-adjunta de direitos humanos na cidade de São Paulo em 2016. Contudo, foi com a escrita de textos sobre temas como racismo, feminismo, entre outras “estruturas de opressão”, que ela ganhou notoriedade nacional e internacional.

Enquanto deixava o saguão e caminhava até o salão de eventos onde palestraria, parecia passar despercebida pelos demais hóspedes do hotel. Porém, logo se viam pessoas fotografando-a atônitas. Em Mossoró para participar da abertura do congresso científico acadêmico de uma universidade particular, se surpreendeu com o tamanho do salão.

“Nossa, não imaginava que fosse um lugar tão grande. Olhando lá de fora, não dá para se imaginar”, comentou com sua assessora Ísis Vergílio. O salão tinha uma decoração simples: apenas inúmeras cadeiras brancas formando um longo corredor que dava acesso ao palco, onde se viam quatro poltronas marrons acolchoadas dispostas lado a lado.

“Esperamos 2 mil pessoas para a sua palestra”, informou uma integrante da organização do evento. Ribeiro encarou o salão vazio por um segundo e seguiu para o camarim, onde se prepararia para a abertura do congresso.

Recém-chegada da França, onde recebeu a honraria de “personalidade do amanhã” pelo combate às desigualdades sociais no Brasil, onde também participou do lançamento do seu livro “La Place de La Parole Noire”, versão francesa do “O que é Lugar de Fala?”, a filósofa encontrou tempo para conhecer a praia de Tibau. “Me falaram que Mossoró não tinha praia, mas que eu poderia ir a Tibau. Fui”, comentou.

Enquanto uma fila ansiosa se formava no térreo, Djamila sentou em um sofá cinza, largo e macio no terceiro andar do hotel, e contava sobre sua expectativa para a palestra que faria dali a alguns minutos.

“Estou bastante feliz de voltar a Mossoró, de poder discutir sobre um tema tão importante que é a educação, sobretudo no momento que estamos vivendo hoje, sobretudo por ser uma pessoa que foi fruto de políticas públicas na área da educação, e que no meu trabalho tenho a educação como ponto focal”, contou.

Embora sulista, o sotaque típico da região é quase imperceptível na voz da Djamila Ribeiro. Sua fala é calma e pausada. Enquanto ouve as perguntas que lhe são feitas atentamente, estrutura a resposta de forma didática e em tom ameno, embora sem jamais perder a segurança no que está sendo dito.

Questionada sobre o fato de o Rio Grande do Norte ser o estado onde mais se matam jovens negros no Brasil, revelou que o combate ao genocídio da população negra deve ser uma preocupação constante da sociedade brasileira.

“Falar desse projeto, né, de extermínio da população negra é algo que fazemos no nosso trabalho, e como que todas essas mortes não geram uma crise ética, não mobilizam a população, o quanto as pessoas estão muitas vezes distante desse debate e não conseguem perceber que há toda uma ideologia da criminalização da pobreza, e como o Estado está presente na forma da repressão, mas não na saúde, na educação, no saneamento básico”, argumentou.

Aos 38 anos, Djamila Ribeiro publicou seu primeiro livro (O que é Lugar de Fala?) em 2017. No ano seguinte, a convite da Companhia das Letras, uma das principais editoras literárias do Brasil, escreveu o livro “Quem tem medo do Feminismo Negro?”, obra em que reúne um ensaio autobiográfico e textos da filósofa publicados na revista Carta Capital, da qual foi colunista.

Escrevendo seu terceiro livro, que será publicado pela Companhia das Letras, a escritora também coordena a coleção Feminismos Plurais, que reúne temas contemporâneos como “empoderamento”, “encarceramento em massa”, “racismo recreativo”, entre outros.

“Focar na coleção Feminismos Plurais, hoje, é o que me move. Vamos fazer um lançamento na FLIP [Festa literária de Parati] neste ano de novo. E até o final do ano vamos lançar novos autores”, falou com um tom de felicidade aparente.

Caçula de quatro irmãos, Djamila Ribeiro conta que foi a primeira da família a ter acesso ao ensino superior, e que os atuais cortes na Educação preocupam, com consequências que poderão ser sentidas por muitas gerações futuras.

“A gente sabe que a educação é importante, que gera oportunidades para que as pessoas saiam de um ciclo de exclusão. Então, a gente vê os cortes com muita preocupação, com muita tristeza, porque a gente sabe que isso condena várias e várias gerações de pessoas, principalmente de grupos vulneráveis”, argumentou com tom abatido.

Contudo, ficou feliz ao descobrir que estudantes negros da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) estão organizando um clube de leitura sobre autoras e autores negros. E brincou: “Leiam a coleção Feminismos Plurais”, sorriu.

“Tem que ler Milton Santos, um dos maiores pensadores que este país já teve; Abadias do Nascimento, um dos nossos maiores intelectuais. É importante essa nova geração resgatar esses autores que não estavam apenas pensando na questão racial. Estavam pensando o Brasil.”, sugeriu a escritora.

Admiradora declarada da filósofa francesa Simone de Beauvoir, a intelectual revela que gosta de ler livros diversos – da poesia a textos teóricos. “Eu leio muita coisa. Minha escritora preferida é Toni Morrison. Mas atualmente estou lendo Chimamanda, Conceição Evaristo… bastante coisa. Gosto muito de poesia. Gosto de [Charles] Baudelaire. Varia do meu estado de espírito, mas Baudelaire, por exemplo, volta e meia eu revisito.”

Quando a escritora voltou ao salão, a sensação era que as 2 mil pessoas aguardadas pela organização resolveram levar convidados. Com todas as cadeiras ocupadas, algumas pessoas ficaram em pé, ao fundo, para terem a chance de ouvir e ver a filósofa. Os espaços que por ventura não estivessem ocupados eram preenchidos pela profusão de vozes do público ansioso. Era possível distinguir o nome de Djamila sendo invocado entre as fileiras de cadeiras.

Contudo, a intelectual conseguiu passar, por um acesso lateral, discretamente pela plateia ansiosa. Mas não durou. Ao perceberem a presença da palestrante, celulares foram rapidamente empunhados e pedidos de fotos e autógrafos começaram a ser feitos.

Sentada em uma cadeira simples, com um acolchoado verde, Djamila Ribeiro respirava fundo para combater o nervosismo e a ansiedade, que desapareceram no momento em que subiu ao palco.

Durante pouco mais de uma hora, a plateia ouviu atentamente a escritora do “O que é Lugar de Fala?” explicar o protagonismo da educação na formação da sociedade. Mais: a importância de se conhecer, e reconhecer, as violências históricas sofridas por grupos socialmente vulneráveis no Brasil. Em “tour” pelo Rio Grande do Norte, Djamila Ribeiro ainda passaria pelas cidades de Apodi e Natal.

Com o fim da palestra, as 2 mil pessoas (e seus convidados) aplaudiram de pé a escritora, fazendo-a corar. “Não esperava que eu estivesse sendo lida no interior do Rio Grande do Norte. Esse sempre foi nosso objetivo: poder fazer que nossas produções chegassem. Então, eu sou sempre pega de surpresa. E que me mantém focada nos meus objetivos e ainda sentir frio na barriga; eu me emociono, fico ansiosa perto de um grande evento”, contou em tom de realização.

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