Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público da Administração Direta do Rio Grande do Norte diz que servidores estão adoecendo, passando fome, devido os salários atrasados. Janeayre afirma que o Sinsp exige calendário de pagamento
BLOG DO CÉSAR SANTOS
O Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público da Administração Direta do Rio Grande do Norte (SINSP-RN) foi fundado em 1988, com a abertura à luta dos direitos sociais consolidada pela Constituição Federal. Trata-se de uma das entidades sindicais mais antigas do país.
O seu funcionamento, porém, sofreu interrupção por algum tempo, retornando em 2012. Aí aparece Janeayre Almeida Souto, militante dos movimentos sociais e populares em defesa dos interesses da classe trabalhadora. Eleita presidente do Sinsp em 2013, ela colocou o seu DNA na reconstrução da entidade e no fortalecimento da luta dos servidores estaduais.
Cearense de nascimento e potiguar de Caicó por adoção, Janeayre Souto consolida hoje a sua atuação sindical, assumindo a liderança do movimento em defesa dos sofridos servidores estaduais. A presidente do Sinsp ocupa um espaço importante e a sua voz ecoa como a mais forte entre os líderes sindicais do estado.
Antes de assumir o Sinsp, Janeayre Souto, que é graduada e licenciada em Matemática, foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTE-RN), executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e diretora administrativa e finanças da CUT/RN. Também participou diretamente da fundação do PT de Caicó, em 1985.
Janeayre Souto tomou o “Cafezinho com César Santos” na sede do JORNAL DE FATO, em Mossoró. Entre temas importantes, destaque para a luta pela atualização dos salários dos servidores estaduais. A sindicalista faz críticas ao início do governo Fátima Bezerra (PT) e afirma que não abrirão mão de exigir do Governo o calendário de pagamento dos salários atrasados.
A GOVERNADORA Fátima Bezerra e o seu partido, o PT, têm forte influência nas entidades sindicais de servidores públicos. Inclusive, líderes sindicais reforçaram a campanha vitoriosa da petista em 2018. Agora, com Fátima e o PT no poder, exige o reposicionamento da atuação dos sindicatos de servidores públicos do RN?
VOU falar pelo Sinsp-RN, onde realizamos nosso trabalho. Estamos mantendo a mesma coerência e a mesma postura que têm norteado e balizado a nossa atuação sindical. O Sinsp renasceu em 2013 como bandeira de luta muito forte. Nós mantivemos essa postura diante do governo de Rosalba Ciarlini (encerrado em 2014), diante do governo Robinson Faria (2015 a 2018) e estamos com a mesma postura diante da atual gestão da professora Fátima Bezerra. Esse é o nosso dever e vamos cumprir sempre.
MAS, não há como negar, o governo tentará exercer influência no movimento de luta dos servidores, dada a identificação que a governadora e o seu partido têm com as entidades sindicais...
O NOSSO sindicato não se sente pressionado ou influenciado pelo atual governo e nem vai se sentir assim. Nós somos guardiões dos direitos dos servidores públicos, nós cumprimos a tarefa que a nossa categoria nos delegou, que é lutar pelos serviços e pelos servidores públicos. Do nosso agir, do nosso pensar, a nossa luta vai ser sempre firme, independentemente de partido ou de quem estar gestor. Vamos lutar sempre pela eficiência do serviço público, pela melhoria do local de trabalho, pela valorização dos servidores públicos. Essa é a nossa missão e não abrimos mão dela.
O SINDICATO dos Trabalhadores em Educação (SINTE-RN) indicou dirigentes e filiados para cargos comissionados no governo. Parte das Diretorias Regionais de Educação (DIRECs), por exemplo, está ocupada por representantes do sindicato. A senhora não acha que isso enfraquece o movimento de classe?
QUEM tem que responder isso é a direção do Sinte-RN. Eu não quero me meter na questão de outra entidade sindical. Nossa missão é cumprida à frente do Sindicato dos Servidores da Administração Direta e disso não abrimos mão. Temos também uma atuação, através do Sinsp-RN, no Fórum Estadual de Servidores, que reúne todos os sindicatos de servidores públicos, e posso garantir que estamos firmes na defesa de nossas categorias. Portanto, a postura do Sinte-RN é questão particular, de postura ou de agir de sua diretoria. Não cabe a nós comentar.
A SENHORA surge, neste momento, como a liderança sindical de maior destaque em defesa do servidor público estadual e, por consequência, de resistência ao governo. A senhora concorda que está ocupando espaços diante da acomodação de determinados sindicatos e líderes?
NÃO concordo nem discordo. Nós estamos cumprindo com o nosso dever. Como disse anteriormente, estamos mantendo a mesma postura, a mesma atuação que tivemos diante de governos passados. Nós fazemos a militância sindical por uma questão de paixão e convicção, e aquilo que você faz movido pela paixão, que você acredita, você faz bem feito. Nós acreditamos na nossa missão, procuramos aperfeiçoar a nossa atuação como forma de melhor cumprir com esse dever. Se, por consequência, ocupamos espaços, posso afirmar que não é por interesses pessoais, mas, sim, de representar bem a luta dos servidores públicos.
MAS, a senhora não pode negar que está se destacando neste momento de luta dos servidores estaduais...
TEMOS de reconhecer que o Sinsp-RN está cumprindo o seu dever. Também temos de reconhecer o excelente trabalho que é feito por nossa assessoria de comunicação, estabelecendo um canal direto com o servidor e a sociedade. Também reconhecemos que a categoria acredita no nosso trabalho, e isso é resultado da recuperação de um sindicato que até pouco tempo estava desativado. Tivemos a ousadia de resgatar essa entidade, tanto que hoje é impossível falar de luta sindical sem citar o Sinsp-RN. Então, natural que a nossa luta esteja ocupando espaços.
ESSE destaque, inegável, pode sugerir projetos futuros, como disputar cargo eletivo, por exemplo?
NOSSA luta é em defesa dos servidores estaduais. Lutamos pelo resgate dos direitos e pelas melhorias de trabalho de nossa categoria. Fazemos isso, como disse antes, por prazer, por convicção. Então, o único propósito que temos, a única missão que nos foi delegada é a defesa dos servidores, e isso vamos continuar fazendo.
QUAL a avaliação que a senhora faz das primeiras medidas que a governadora Fátima Bezerra adotou em relação aos servidores públicos?
NÓS discordamos da opção que o governo tem feito em relação ao pagamento dos salários atrasados. Discordamos frontalmente do governo; não aceitamos que o governo deixe para depois os salários atrasados. Nós não somos empregados de gestores, não somos servidores do ex-governador Robinson ou da ex-governadora Rosalba Ciarlini; nós somos servidores do Estado do Rio Grande do Norte, portanto, é o Estado que nos deve, porque é o Estado que é a pessoa jurídica constituída de direito. Não aceitamos essa história que o governo passado é que nos deve; entendemos que a dívida foi deixada por Robinson, mas quem deve aos servidores é o Estado. Essa dívida tem que ser honrada, tem quer ser quitada. Essa é a nova luta.
COMO tem sido, neste momento de turbulência, a relação da governadora Fátima com os sindicatos?
TEMOS que reconhecer que existe uma relação diferente do que era antes. O governo, por exemplo, abriu as contas de janeiro para o Fórum de Servidores ter acesso. No dia 7 de janeiro, por exemplo, tivemos acesso ao extrato da conta bancária do Estado. Isso nós temos que considerar como positivo. Agora, esse mesmo governo tem que avançar na garantia dos direitos dos servidores. Salário, por exemplo, é verba alimentícia, então, tem que ser tratado com prioridade. Não é o Sinsp ou Janeayre Souto que diz isso; quem diz é a nossa Constituição Federal.
NO INÍCIO da semana, surgiu a polêmica de que o Governo havia feito caixa em janeiro, algo em torno de R$ 400 milhões, segundo o deputado Kelps Lima. Em seguida, o Governo negou devido à repercussão negativa. Como o sindicato se envolveu nessa questão?
PRIMEIRO, quero dizer que a governadora, quando se reuniu com os deputados estaduais, revelou que o Estado tinha saldo. Depois, na reunião do Fórum Estadual dos Servidores com representantes da Casa Civil, Planejamento e Administração do Governo, foi comunicado que o Estado tinha saldo. Os secretários afirmaram que teve saldo em janeiro e vai ter saldo em fevereiro. Nós também acompanhamos os números, inclusive, solicitamos o acesso as receitas e as despesas, sustentando o ofício na Lei da Transparência. Então, nossa posição é que não aceitamos que o Governo faça caixa à custa da fome dos servidores.
HÁ INFORMAÇÃO que os setores menos favorecidos dos servidores, aqueles que têm até quatro folhas salariais vencidas, não conseguem comprar alimentação, pagar contas como água e luz e até perderam casas onde moravam. Procede ou há exagero na informação?
OS SERVIDORES estão empobrecidos e muito mais pobres vão ficar caso o Governo não priorize o pagamento dos salários atrasados. Os servidores não têm dinheiro para comprar remédio, para comprar alimentação, para pagar aluguel de casa e contas básicas como energia e água. Os servidores estão perdendo crédito porque não conseguem pagar a fatura do cartão. As operadoras de cartão não querem saber se o Estado deixou de pagar os salários; querem receber o que você deve. Para se ter ideia, o servidor não está conseguindo sequer renegociar sua dívida junto ao Banco do Brasil porque o Estado não tem mais crédito.
COMO é possível viver assim? De que forma o sindicato acompanha essa situação?
MUITOS servidores estão sendo despejados de suas casas. Isso acontece porque não têm dinheiro para honrar o aluguel no final do mês, mas também é consequência de que o Estado nunca priorizou a política habitacional para o servidor público. A política de moradia para o servidor é pauta constante do Sinsp-RN, mas o Governo ignora. Outra ironia é que Rio Grande do Norte é o estado que pior para o servidor, mas, noutra ponta, tem servidor com melhor salário do país. É uma contradição absurda entre o menor e maior salário, onde existem 33 faixas salariais. Os que recebem os menores salários e que amargam esse longo atraso estão desesperados. Muitos deles deixaram as suas casas e estão morando com familiares porque não têm como pagar o aluguel. Tem muitos servidores entrando em depressão, recebemos relatos chocantes. Imagine você, pai e mãe de família, trabalhar o mês e não ter dinheiro para colocar a comida na mesa. É de cortar coração.
O QUE está sendo feito para amparar ou atenuar o sofrimento desses servidores? O Governo do Estado está fazendo alguma coisa?
A ARQUIDIOCESE de Natal está fazendo uma campanha de arrecadação de alimentos para amenizar a fome dos servidores. Na semana passada, foram doadas 300 cestas básicas. Nunca nós imaginávamos passar por isso. A sociedade, de certa forma, tem entendido a situação e procurado colaborar através dessa campanha. Os servidores recebem as doações porque precisam, mas se sentem humilhados porque sempre trabalharam para ter o seu sustento, e agora se encontram nessa situação. Então, não podemos aceitar que o Governo Estadual faça caixa em cima da fome dos servidores.
O FÓRUM Estadual de Servidores apresentou propostas para ajudar no enfrentamento da crise. Uma das propostas sugere que 70% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores efetivos, o que economizaria valores na folha de pessoal. Como o Governo recebeu ou tratou essa proposta?
NA VERDADE, essa não é uma proposta nova; ela foi formulada pelo Fórum de Servidores desde a sua origem. Essa proposta nasceu junto com o Fórum. A explicação é simples: se o Governo nomeia para um cargo comissionado um servidor de carreira, vai pagar o salário do servidor e apenas 60% referente aos salários em comissão; mas, se o Governo convida para um cargo uma pessoa que não é servidor efetivo do Estado, vai pagar o valor integral de remuneração daquele cargo e mais a previdência. Então, veja que a nossa proposta é no sentido de enxugar a folha, economizar recursos, mas, infelizmente, o Governo parece desinteressado. Apresentamos essa proposta no dia 23 de janeiro e, na mesma hora, o secretário-chefe da Casa Civil (Raimundo Alves) afirmou que não seria acatada.
POR QUÊ? Qual foi a explicação?
SEGUNDO ele, esses cargos serviriam para moeda de troca com a Assembleia Legislativa, porque teriam de negociar com os deputados. Foi essa a resposta dada pelo secretário da Casa Civil, ouvida pelos representantes do Sinsp, Sinte, Sindasp, Sinpol, Sindsaúde, Aduern, Sintrauern e por outras entidades do Fórum de Servidores. Então, o Governo sequer aceitou analisar a proposta, porque simplesmente esses cargos comissionados são usados como moeda de troca. Nós não vamos aceitar isso. Queremos que o Governo dialogue com a nossa proposta. Eu tenho certeza, ou espero, que a governadora Fátima Bezerra não dê um não para essa proposta. Ela deve analisar com carinho, porque é importante neste momento que o Estado precisa otimizar a sua política financeira, diante da grave crise que aí está.
A SENHORA, então, acredita que o Estado arrecada bem, mas gasta mal?
O RIO Grande do Norte está batendo recorde de arrecadação de ICMS, por exemplo, e são os servidores fiscais que estão conseguindo isso, eles, inclusive, estão com salários atrasados. Veja que absurdo. O mês de fevereiro, isso todo mundo sabe, se destaca em receita de Fundo de Participação do Estado (FPE). Temos a informação que o nosso Estado vai bater o recorde do recorde. Há uma previsão, por baixo, de que o Estado do Rio Grande do Norte recebe agora em fevereiro algo em torno de 440 milhões de reais só de FPE. Só a primeira parcela, que é depositada no dia 10, deve chegar a 240 milhões de reais. Esse é ímpar em repasse de FPE para o nosso Estado. Aí, como é que o Governo assume que tem caixa, os seus secretários assumem diante das lideranças do Fórum de Servidores que tem saldo, e não inicia o pagamento dos salários atrasados? Aqui ninguém é irresponsável de querer ou exigir que o Governo quite uma dívida de quase 1 bilhão de reais de uma vez só, mas nós queremos que inicie esse pagamento. Nós do Sinsp, juntamente com as demais entidades sindicais do Fórum de Servidores, exigimos que o Governo do Estado apresente um calendário de pagamento dos salários atrasados.
MAS, a governadora Fátima Bezerra disse que vai pagar o atrasado quando entrar recursos extras...
QUANDO vai entrar? Quando esse dinheiro novo vai chegar? Não há qualquer garantia. Então, nós exigimos que o Governo defina um calendário, porque os servidores não podem mais esperar. A situação chegou ao pior momento. Os servidores estão passando fome, estão adoecendo, estão entrando em depressão porque não suportam mais tanto sofrimento.
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