Por Fabiano Morais (*)
O jornalista e professor Fabiano Morais, dos quadros da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), colocou o seu olhar criterioso na edição 2022 do “Chuva de Bala no País de Mossoró”, espetáculo teatral que conta a saga do povo bravo na resistência ao bando de Lampião. E emite a sua opinião, que é compartilhada pelo titular da coluna.
Leia:
“Não sou crítico teatral e nem tenho interesse. Porém, sou cidadão que gosta de artes e da valorização da cultura. Quem me conhece sabe o quanto luto pela qualidade artística nas mais diversas áreas. Não com bandeiras vazias e gritos preconceituosos. Pelo contrário. Tento valorizar os fantásticos artistas que temos em nosso imenso Nordeste.
No espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró” essa quantidade com qualidade é muito presente. Ver em cena um Cícero Lima, Plínio Sá, Luiza Gurgel, Igor Calado e tantos outros, dá gosto, enquanto plateia. Há uma entrega total.
Porém, não poderia deixar de registrar a total frustação com a concepção de direção do espetáculo 2022. Já tinha inúmeros comentários, todos muito críticos com relação à qualidade do mesmo. Porém, jamais iria falar algo sem ter analisado com meu próprio olhar. Mas agora posso falar. Fui, vi e achei muito fraco para usar uma palavra amistosa.
Ao chegar em Mossoró em 2004 comecei a assistir essa história tão enaltecida (e com razão) pelos mossoroenses. De lá pra cá acompanhei todos os anos, mesmo quando estava afastado para capacitação docente, pois vinha em junho pra Mossoró. Vi espetáculos belíssimos e de grande aprovação popular como os que foram coordenados pelo competente João Marcelino. Inovou, colocou cinema no teatro, numa tendência mundial de grandes espetáculos mundo afora, entre outras concepções cênicas de uma megaprodução.
Vi e me emocionei com os dois espetáculos dirigidos por Marcos Leonardo, em 2018 e 2019. Um cenário encantador, com músicos e outros artistas num cenário que remetia à literatura de cordel. Uma produção que valorizava a essência da alma nordestina, afinal o Chuva de Bala é isso. É sertão. É Nordeste. É raiz. Não é “broadway” potiguar. Fazer um musical (que também pode ser opção) ou predominantemente dança, por opção da direção, acaba indo de encontro a tudo de bom que já tivemos no Teatro do “Chuva de Bala”. Inovar é uma coisa. Retroagir é outra.
Mas afinal, existiu inovação? Existiu algo de atrativo? Pelo contrário. Vi foi a morte de cenas fantásticas como o duelo do prefeito “Rodolfo Fernandes” e “Lampião; Vi a morte da cena de “Jararaca”, um dos personagens principais da trama; Vi uma luta armada esquisita sem os tiros de outrora; Vi a exclusão da participação de coadjuvantes importantes como o Tiro de Guerra e crianças de projetos sociais; Vi uma não valorização do palco da batalha, a Igreja de São Vicente, em termos de cenário.
Na verdade, ela só aparece porque usaram seu pátio pra fazer o espetáculo; Vi torres de iluminação em excesso tirando a visão da plateia… Enfim, são muitos apontamentos que talvez sejam muito mal observados por uma cultura perseguidora. Que o digam alguns artistas que só em mencionarem reivindicações, são hostilizados e quase levados ao “calabouço”. O fato de opinar parece não ser muito bem visto.
Mas, ainda bem que posso falar, pois muito sabem que nunca me vinculei a nenhum grupo político da cidade. E, aqui, a crítica é cultural. Nada haver com gestões, porém a prefeitura, já que preza tanto em comunicar que o espetáculo é feito por atores “apenas” mossoroenses, e aí tenho ressalvas também, já que a arte é universal, por que não deixa diretores só mossoroenses no comando, seguindo essa linha de raciocínio?
Pelo que temos visto Brasil afora, o “Chuva de Bala” é um dos maiores espetáculos do país e os gestores não podem deixar isso morrer ou fazer com que o conceito regrida. Vejam outros exemplos. A “Paixão de Cristo”, em Fazenda Nova-PE, é a mesma história, mas a cada ano evolui com direção, atores etc. E sim, eu cito, não como comparação, mas baseado num conceito de grande espetáculo, como é o daqui.
E mais, quem disse que o “Chuva de Bala” precisa ter o mesmo texto? Por que não tentar, por exemplo, autores mossoroenses contando a história sob uma nova ótica, preservando, claro, a historicidade dos fatos? São questionamentos que só podem ser respondidos por quem está com a “caneta” na mão, ou seja, o poder público, que detém os direitos do produto.
Que em 2023 tenhamos um “Chuva de Bala no País de Mossoró” como ele merece e que os atores, do próprio espetáculo, possam participar das decisões, em conjunto com a direção, afinal, muitos já participam há anos e entendem o que é fazer um grande espetáculo. Avante.”
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