Por João Pedrosa / Agecom / UFRN
Ninguém imagina a dor de perder um filho, a não ser que você se depare com essa situação nada fácil. A sociedade tem como parâmetro que, no ciclo natural da vida, os filhos enterrem seus pais e não o contrário. Quando isso acontece, causa um grande impacto psicológico nas famílias, em especial nos pais. Como forma de sensibilizar a população sobre o tema, foi instituído o Julho Âmbar, mês escolhido para a conscientização do luto parental.
A Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC-UFRN), vinculada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), traz o alerta sobre a importância dessa causa, que acomete muitas famílias.
O luto está presente em todos os lares e em todas as pessoas, pois é o processo vivenciado pela perda de alguém querido. Neste mês dedicado aos pais enlutados, foi escolhida a cor âmbar por representar o nascer do sol, a esperança que os pais precisam ter após a perda. Como símbolo para a causa, no Brasil, foi instituído o girassol, por ser uma flor que se vira para o sol em busca da força da luz.
Em 2019, Laisa Pinheiro teve uma perda neonatal. Davi, filho desejado e amado por toda a família, nasceu prematuro e faleceu após 5 dias. “O luto é muito difícil. Quando perdemos um filho, vivemos um luto invisível. A sociedade não entende o tamanho da nossa dor”, comenta Laisa. “Durante anos planejamos para ser mãe e, de repente, tudo desaparece. Nunca um outro filho irá substituir a perda de um anterior. Cada filho é único em nossas vidas”, afirma.
A assistente social da MEJC-UFRN Gildeci Pinheiro fala como iniciaram na Maternidade as ações de humanização voltadas para a causa. “Temos um grupo de apoio à perda gestacional e neonatal na MEJC. As nossas atividades começaram no fim do ano de 2016. Em 2017, o grupo de apoio se transformou no projeto de extensão chamado Projeto com Amor. De 2016 até o ano passado, já tínhamos realizado 92 encontros que contaram com a participação de 269 mães e que tiveram a assistência de 251 participações de profissionais e 202 estudantes”, relata.
Gildeci Pinheiro explica que o Rio Grande do Norte passou a contar com a Lei nº 11.357, aprovada em 11 de janeiro de 2023. A lei estabelece aos hospitais públicos e privados procedimentos relacionados à humanização do luto materno e parental no âmbito de todo o território estadual. No dia 10 de julho, a Assembleia Legislativa do RN realizou uma audiência pública com o tema Humanização do Luto Parental. A atividade foi proposta pela deputada Cristiane Dantas e contou com a explanação da psicóloga da MEJC Caroline Lemos, que compartilhou a experiência da Maternidade.
A psicóloga esclarece que o luto parental “é o processo de reestruturação e adaptação à vida enfrentado pelos pais após a perda de um filho em qualquer idade”. Ela conta como é feita a abordagem na MEJC. “O apoio à perda gestacional e neonatal atende às mães e famílias que vivenciaram perdas gestacionais e neonatais na nossa Instituição ou até mesmo em outra maternidade. As mães são indicadas pelos profissionais dos serviços e convidadas por meio de ligações a participar de um grupo de apoio ao luto”, explica.
Para Caroline Lemos, a publicização e a discussão sobre o tema são importantes, já que ele tem grandes impactos psicológicos. “O luto parental é considerado um luto invisibilizado pela sociedade, visto que foge da ordem naturalmente esperada. Assim, percebe-se um despreparo para lidar com a temática, seja da família do enlutado ou até mesmo de profissionais de saúde.
Tal contexto, muitas vezes, vulnerabiliza ainda mais o enlutado, visto que gera desamparo e solidão que podem intensificar a dificuldade de falar sobre o tema, expressar sentimentos de tristeza, culpa e outras preocupações. A literatura indica que todo esse sofrimento solitário é um fator de risco aumentado para diversos transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade, além de maior risco de adoecimento cardiovascular e do sistema endócrino e tentativas de suicídio. Algumas famílias relatam, ainda, dificuldade para o retorno ao mercado de trabalho e até conflitos conjugais. Dessa forma, vale a pena tornar ampla a discussão sobre o tema, bem como investir na qualificação de profissionais e serviços de saúde”, ressalta a especialista.
Saiba mais sobre o projeto de extensão
O Projeto com Amor tem como objetivos criar um espaço de fala e compartilhamento de saberes e experiências capaz de contribuir para o desdobramento do processo social do luto e, ainda, promover cuidado multiprofissional por meio do atendimento de profissionais da enfermagem, psicologia, serviço social, ginecologia e psiquiatria. A ação também busca colaborar para a formação acadêmica e aperfeiçoamento profissional com foco no cuidado integral à mulher frente ao processo de luto e estimular os profissionais de saúde para um atendimento acolhedor diante da perda fetal e neonatal.
Atualmente, são realizados encontros quinzenais, de modo virtual, com a participação em média de oito mães, profissionais da psicologia, serviço social e educação física, além de discentes de graduação e residentes. A modalidade de encontro online tem propiciado maior adesão das mães, pois rompe com barreiras sociais e geográficas.
Uma das mulheres assistidas pelo projeto é Vilma Bezerra, que perdeu seu filho há um ano e seis meses. Emocionada, ela diz que o suporte para vivenciar o luto veio a partir do acolhimento recebido. “Por meio do projeto, eu me senti acolhida e inserida na sociedade. Não se mede uma dor por tempo, se mede uma dor por amor, e esse amor encontrei no grupo”, afirma.
Participam do projeto assistentes sociais, psicólogas, enfermeiras, profissionais de educação física, obstetras, neonatologistas e psiquiatra. Além dos encontros quinzenais, a equipe acolhe as diversas demandas das mulheres e familiares, funcionando como uma rede de apoio qualificada de modo a facilitar o processo do luto.
A iniciativa surgiu de um movimento internacional que visa honrar os filhos que morreram e homenagear sua memória, fomentando o apoio social às famílias que tentam sobreviver após a morte de um filho. A ideia é atribuída aos americanos Peter e Deborah Kulkkula, que perderam seu filho Peter John aos 19 anos. Há registros, desde 2013, de organizações e movimentos que celebram a data. No ano de 2019, a ONG Amada Helena trouxe a iniciativa para o Brasil, por meio da aprovação da Lei 15.313, que instituiu a Semana Estadual de Conscientização sobre a Causa do Luto Parental no Estado do Rio Grande do Sul.
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