Quinta-Feira, 26 de dezembro de 2024

Postado às 13h15 | 17 Out 2024 | redação O que se sabe sobre mutirão de cirurgias que deixou oito pacientes sem globo ocular

Crédito da foto: Reprodução Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pacientes que perdeu o olho

Por g1 RN

Um mutirão de cirurgias de catarata realizado pelo município de Parelhas, localizado a cerca de 245 km de Natal, nos dias 27 e 28 de setembro, resultou em uma infecção bacteriana que atingiu 15 pacientes. Oitos deles precisaram retirar o globo ocular afetado.

Cerca de 20 dias depois, o caso ainda é investigado por autoridades estaduais na área da saúde e em um inquérito administrativo aberto pela própria prefeitura de Parelhas. Nesta reportagem, o g1 esclarece o que já se sabe e o que falta saber sobre os casos.

As cirurgias foram realizadas nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Graciliano Lordão, em Parelhas, na região Seridó do Rio Grande do Norte. Ao todo, 48 procedimentos foram realizados no local, nos dois dias de mutirão: 20 operações no primeiro dia e 28 no segundo.

Todos os 15 pacientes infectados passaram pela cirurgia no primeiro dia de mutirão, segundo a prefeitura.

 

Quem realizou as cirurgias?

As cirurgias foram realizadas por uma equipe da empresa Oculare Oftalmologia Avançada LTDA, contratada pelo município. A maternidade teve o centro cirúrgico alugado também pela prefeitura para a realização dos procedimentos.

Segundo a empresa, o mutirão foi conduzido por "oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos".

O município informou que a empresa foi contratada por R$ 59.524,32 para realizar as cirurgias, "mas o pagamento ainda não foi efetuado, pois a Administração Municipal aguarda a conclusão da investigação em curso".

"Até o momento, foi pago apenas o valor de R$ 5.000,00 à Maternidade Dr. Graciliano Lordão pelo uso do centro cirúrgico, mediante convênio", complementou a prefeitura.

O que causou a infecção?

O problema que atingiu os pacientes é a endoftalmite, uma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae.

A bactéria comumente é encontrada no trato intestinal das pessoas e contribui para a regulação do funcionamento, de acordo com o infectologista Natanael Adiwardana, do Hospital São Luiz Itaim, da Rede D’Or. Caso a Enterobacter cloacae saia do trânsito intestinal e atinja outros órgãos, pode gerar inflamação e infecções de diversas formas.

Uma investigação da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) apontou preliminarmente que os indícios apontam que a infecção pode ter sido causada por contaminação em procedimentos como higienização e esterilização.

A avaliação foi divulgada pela coordenadora de Vigilância em Saúde do RN, Diana Rêgo, nesta quarta-feira (16), após uma inspeção realizada pela equipe na cidade.

"Percebemos que, pelas características clínicas de infecção dos pacientes, uma vez que nesses pacientes que tiveram adoecimento os primeiros sintomas aconteceram 48 horas após o procedimento, isso é muito sugestivo de contaminação de procedimento, relacionado às boas práticas", disse.

"Processo de esterilização e de procedimento de fluxos, realmente. Higienização das mãos, higienização de ambientes... São procedimentos necessários para garantir a segurança do procedimento cirúrgico. E aí a gente não teve a garantia desses procedimentos", explicou.

 

Quem são os pacientes infectados?

Os pacientes infectados são moradores do município que tinham sido encaminhados para cirurgia pelos médicos da atenção básica. Dos 15, oito tiveram que retirar o globo ocular, quatro fizeram cirurgia de vitrectomia (substituição de um gel que fica dentro do olho) e três seguem acompanhados por oftalmologistas.

A cabelereira Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pessoas que participou do mutirão no dia 27 de setembro e precisou retirar o globo ocular após sofrer a infecção.

Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pacientes que perdeu o olho após infecção no RN — Foto: Cedida

Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pacientes que perdeu o olho após infecção no RN — Foto: Cedida

Segundo um filho, mesmo após o procedimento, a infecção da mãe se espalhou para a pálpebra e ela precisou ficar internada para evitar que a bactéria chegasse ao cérebro.

Segundo a família da costureira Vitória Dantas, de 49 anos, ela não precisou retirar o globo ocular, mas esse ainda é um medo presente.

"Todos os afetados por essa cirurgia estão passando por um momento muito delicado, todo mundo muito nervoso. O medo de perder o olho ainda está presente", disse o filho de Vitória, Maurício Dantas, de 29 anos, na última terça-feira (15).

Quem investiga o caso?

Uma investigação na área da saúde tem sido conduzida pelas vigilâncias sanitárias municipal, estadual e nacional. Além de uma avaliação da secreção ocular dos infectados, o Laboratório Central de Saúde Pública do RN (Lacen) também começou a fazer uma análise da potabilidade da água da maternidade onde ocorreu o mutirão.

Segundo Diana Rêgo, da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte, a Vigilância Sanitária de Pernambuco também foi acionada para auxiliar na apuração sobre a empresa contratada para realizar o mutirão, já que ela é registrada no estado. Segundo Diana, a Sesap não recebeu todas as informações necessárias.

A prefeitura de Parelhas também instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades no caso. As audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável pelos procedimentos foram iniciadas na terça-feira (15).

O Municípío informou que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, "exigindo esclarecimentos imediatos".

Ao g1, a Polícia Civil disse que não tinha informações sobre registros de ocorrências relacionadas a esse caso.

Alguém será responsabilizado pelas infecções?

As autoridades ainda não informaram se algum profissional envolvido nos procedimentos será responsabilizado pelas infecções.

O que dizem os depoimentos colhidos até agora?

Apesar de colher depoimentos de pacientes e profissionais envolvidos no mutirão, a prefeitura de Parelhas disse que não poderia divulgar o conteúdo das oitivas até a conclusão da investigação.

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