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Postado às 09h00 | 01 Jun 2020 | Redação 'A normalidade fiscal talvez só aconteça daqui a dois anos’, afirma secretário de Tributação

Abraão Padilha afirma em entrevista ao Cafezinho com César Santos que a arrecadação do município de Mossoró caiu 17%. Também houve queda em outras receitas como ICMS, royalties e Fundeb. A pandemia do coronavírus provocou enorme estrago econômico

Crédito da foto: Marcos Garcia/JORNAL DE FATO Abrarão Padilha é secretário de Tributação de Mossoró

Por Maricelio Almeida - JORNAL DE FATO

Auditor fiscal do Rio Grande do Norte, mestre em Gestão Pública e especialista em Direito Tributário e Direito em Cidadania, Abraão Padilha de Brito é secretário da Fazenda de Mossoró desde o início da quarta gestão da prefeita Rosalba Ciarlini, em janeiro de 2017. A pasta que chefia tinha como uma das principais metas, logo no início do mandato, implantar um processo de recuperação da saúde fiscal do Município.

De uma queda na arrecadação de 2016, o Município passou a contabilizar sucessivos crescimentos nos anos seguintes: 13,03% em 2017; 17% em 2018 e 21,08% em 2019. Para 2020, a expectativa inicial seria um pouco mais modesta, entre 8% e 10%. Mas, nem nos piores cenários, nas mais inimagináveis projeções, a equipe econômica da Prefeitura de Mossoró, e de todos os outros entes públicos, aguardava o que estava por vir: a pandemia do novo coronavírus.

Com o necessário isolamento social da população, o consumo caiu, a arrecadação caiu, as receitas caíram. Os gestores estão atordoados diante do catastrófico contexto provocado pela Covid-19, claro, do ponto de vista de saúde pública, mas sem esquecer também as severas dificuldades econômicas vindas com a crise.

Sobre esse assunto, a seção “Cafezinho com César Santos” desta semana entrevista o secretário da Fazenda Abraão Padilha de Brito. As previsões não são nada animadoras, confirma o auxiliar da gestão Rosalba Ciarlini.

Qual o impacto, real, do isolamento social na arrecadação do município?

O impacto na arrecadação hoje já é sentido fortemente, porque com o isolamento social já há um desaquecimento da economia, a economia não segue o seu ciclo, não há consumo, não havendo consumo não há arrecadação. A nossa base tributária, o ISS, que é o imposto próprio, e o ICMS, que repercute muito nas receitas dos municípios, é extremamente ligada ao consumo de serviço, bens e mercadorias. Há um reflexo direto. Para se ter ideia, a arrecadação própria nossa caiu 17%, isso é significativo. Se a gente pegar as principais receitas, arrecadação própria, FPM, cota-parte de ICMS, royalties e Fundeb, essa queda é de 18,2%, isso até o dia 27 de maio. Se compararmos com o mesmo período de 2019, já tenho uma queda de 18,2%. Os royalties, por exemplo, apresentam uma queda vertiginosa, de 50%, tudo isso afeta de forma contundente a arrecadação e as receitas municipais. É um período muito difícil, em que a gente, de toda forma, tem que atravessar, e os Municípios vão precisar muito da ajuda do Governo Federal nesse momento, senão vai ficar muito complicado e vai se comprometer o cumprimento de determinadas obrigações financeiras.

 

No início da pandemia o Município prorrogou a cobrança de alguns tributos, como o ISS. Essa medida será renovada?

O Município prorrogou realmente a cobrança do ISS, um direcionamento do comitê gestor do ISS, para as empresas do Simples do MEI. Ficou prorrogado de abril para julho o pagamento do ISS por três meses. O ISS que seria pago em abril, maio e junho será pago agora em julho, agosto e setembro. Além disso, o Município também tomou medidas que aliviam a vida do contribuinte, nesse momento de pandemia se tem essa preocupação. Por exemplo: a execução fiscal está suspensa por 30 dias, o protesto de títulos, a cobrança administrativa, e até a rescisão de parcelamento por inadimplência, todas essas atividades realizadas rotineiramente pela Secretaria da Fazenda estão suspensas em função dessa crise provocada pela pandemia. A questão de ser renovada a prorrogação (do ISS) é algo que a gente vai observando, vendo como se comporta a economia, quando chegar próximo a esse período, julho, O Município irá avaliar a pertinência ou não de se prorrogar essa cobrança.

O Governo Federal vai começar a liberar a ajuda aos estados e municípios. Mossoró receberá mais de 30 milhões de reais, em quatro parcelas. Até que ponto esse valor atenuará a crise na receita do município?

Sem dúvida, esse valor é importante. O Governo Federal é quem tem a capacidade maior de fazer esse tipo de política, porque ele pode lançar títulos no mercado, captar recursos, inclusive tem até a Casa da Moeda, então, isso faz com que o Governo Federal tenha mais poder de atuar nesse lado econômico da crise. É uma ajuda muito importante essa, mas é preciso só esclarecer o seguinte: desses R$ 29 milhões, R$ 25.396 milhões são livres para o Município utilizar nas suas despesas e investimentos gerais, o restante é utilizado exclusivamente nas áreas de Saúde e Assistência Social. Em quatro meses, o Município vai ter apenas R$ 25 milhões, que divididos por quatro meses dá em torno de R$ 6,5 milhões, aproximadamente. Se a gente for observar pelo lado da queda de receita, esse valor ainda é insuficiente, a projeção é que nossa queda de receita ultrapasse R$ 30 milhões, eu teria então R$ 5 milhões que não seriam cobertos. A reclamação dos Municípios é geral. São os Municípios que sofrem o impacto direto da assistência em saúde.

 

E Mossoró, por ser uma cidade polo, tem dificuldades ainda maiores...

Mossoró, por exemplo, concentra a assistência em saúde da região toda, isso impacta diretamente as nossas despesas, para se ter uma ideia, comparando abril de 2019 com abril de 2020, a despesa de custeio e investimento da Secretaria de Saúde aumentou 90%. Nós saímos de uma despesa com custeio e investimento de 2019 em torno de R$ 8 milhões, e fomos agora para R$ 15 milhões, só aí já são mais de R$ 7 milhões de diferença. É significativo para o Município, é uma despesa que não estava prevista no orçamento do ano anterior. É uma equação muito difícil de contornar, aumento de despesa e queda de receita. A prefeita tem somado todos os esforços possíveis e necessários para que a gente possa enfrentar essa crise de forma a não comprometer esses serviços essenciais.

 

O presidente Bolsonaro sancionou a lei de ajuda aos estados e municípios, com vetos. Um deles é o trecho que trata da suspensão das dívidas dos estados e municípios com bancos estrangeiros. Há queixas que esse veto inviabiliza totalmente a suspensão das dívidas. Qual avaliação que o senhor faz?

Esse veto do presidente realmente é um complicador para os Municípios. O que acontecia: os Municípios e os Estados podem contrair empréstimos com organismos internacionais, e esses empréstimos quando contraídos tinham como garantidor a União. A partir do momento que os Municípios viessem a não ter condições de quitar esses empréstimos, a União, como garantidora, pagaria. Os Municípios e Estados estavam querendo que nesse período de pandemia a União arcasse com o ônus do caso de inadimplência e não executasse as garantias que a União também tem, como o desconto do FPM, por exemplo. Essa situação (do veto) é muito complicadora, porque não sei se os Estados e Municípios terão condição de honrar esses compromissos nesse período de pandemia. O Governo Federal poderia ter tido uma sensibilidade maior nesse contexto e arcar com possíveis inadimplências desses entes.

A Prefeitura de Mossoró tem um plano elaborado para a abertura da economia local?

A Prefeitura tem trabalhado diuturnamente em todas as ações de combate à pandemia e também nessa preocupação de reabertura e normalização da economia local, é um desejo de todos, da população, do Poder Público, da Prefeitura fazer isso. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico tem trabalhado arduamente nesse sentido, tem procurado ver os casos de sucesso de outros estados e municípios que iniciaram essa elaboração do plano de retomada, isso está sim na pauta de discussão. A prefeita tem sensibilidade também com essa parte econômica, é uma preocupação nossa, da Prefeitura de Mossoró fazer com que a economia também volte a sua normalidade.

 

O Município enviou para a Câmara o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias referente ao exercício financeiro de 2021, com projeção de arrecadação de aproximadamente R$ 700 milhões. De que forma o senhor acredita que a pandemia refletirá nessa projeção?

A elaboração da LDO obedece determinados parâmetros. Por exemplo: eu pago o que foi arrecadado no ano anterior, acrescento o IPCA, o PIB e o esforço fiscal, e aí eu tenho uma projeção de arrecadação para o ano seguinte. No entanto, já preocupado com esse impacto econômico da pandemia, a LDO desse ano foi elaborada sem levar em consideração o IPCA e o esforço fiscal, o que se acrescentou foi somente a projeção de crescimento do PIB, que provavelmente vai ser negativo no próximo ano. Como trata-se de uma peça orçamentária, ela vai precisar ser ajustada, e como se dá esse ajuste? Se houver excesso de arrecadação, é superávit, se houver insuficiência de arrecadação, se tem um déficit. Essa peça não poderia fugir desses parâmetros pra 2021, porque o que se utilizou foi apenas a arrecadação efetiva de 2019 com esse pequeno acréscimo do PIB.

Qual o tempo estimado para que a economia possa apresentar sinais claros de recuperação? A crise de 2020 ainda respingará para além do exercício fiscal de 2021?

Acredito que a tendência para essa recuperação econômica é que ela possa ocorrer lá para 2022, 2023, alguns analistas até dizem que a crise no Brasil será um pouco mais profunda do que em outros países. Então, não será fácil para retomarmos a economia, que já vinha em crise, mas para retomar ao patamar da economia de 2019 acredito que só em 2022 e olhe se não em 2023. A repercussão fiscal é direta, a crise respinga diretamente na economia do país. Refletiu na economia, reflete na arrecadação. Nossa normalidade fiscal talvez só aconteça daqui a dois anos.

 

A crise pode afetar de maneira profunda o pagamento dos servidores públicos municipais?

A prefeita tem trabalhado duramente nessa questão de honrar esse compromisso de pagamento dos servidores. Nós podemos até sacrificar outras despesas, suspender alguns pagamentos de outras despesas, mas o servidor é a principal prioridade. A prefeita tem priorizado o pagamento da folha, e essa é uma dinâmica desde o início do mandato. A prefeita, inclusive, pagou folhas salariais anteriores e, agora, mais do que nunca, a prioridade será sim a folha dos servidores. São os servidores que fazem a máquina administrativa da Prefeitura se mover, são extremamente importantes para o Município, e a prefeita está sim atenta a isso. Outros municípios, estados têm até renegociado repasse de duodécimo e tomado outras medidas que não tomamos ainda, estamos honrando todos os nossos compromissos de repasse para a Câmara, de pagamento dos fornecedores na medida do possível, e priorizando sempre a folha de pagamento.

Qual a avaliação que o senhor faz da gestão fiscal do Município de Mossoró, de maneira geral?

Nós temos, desde o início do mandato, em 2017, trabalhado na recuperação da arrecadação do Município. Para se ter ideia, quando nós chegamos nos deparamos com uma queda de arrecadação em 2016 de 0,1%. Já em 2017, essa arrecadação subiu 13,03%; em 2018, ela vai para um patamar de crescimento de 17%; e em 2019, para 21,08%. Isso tudo é reflexo desse trabalho de organização, de planejamento estratégico, metas, indicadores, o que é uma máxima na gestão da Secretaria da Fazenda. Para esse ano de 2020, nós tínhamos uma meta fixada de crescimento de 8% a 10%, no entanto, com a pandemia todos os planejamentos estão sendo revistos, mas nós já estamos nos preparando para que no pós-pandemia possamos já dar continuidade a esse planejamento e esse alcance das metas.

 

Para concluir, que ações vinham sendo adotadas, ou continuam sendo adotadas, para buscar o equilíbrio de receitas e despesas?

No tocante às despesas, a Prefeitura também tem trabalhado muito na análise, por exemplo, da folha de pagamento, verificando o que pode ser enxugado, na análise das despesas de custeio, tudo isso tem sido uma máxima da gestão. Se por um lado tem a questão do aumento da arrecadação, da receita, por outro temos o cuidado com as despesas. Para finalizar, reiteramos que os esforços feitos pela prefeita para manter o pagamento dos servidores em dia reflete a primazia da gestão com o servidor público municipal. Mesmo com a redução drástica das nossas receitas, como, por exemplo, o Fundeb, que caiu neste mês mais de 28%, a meta da gestão Rosalba Ciarlini é manter o salário do servidor em dia.

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