Quinta-Feira, 06 de fevereiro de 2025

Postado às 11h30 | 07 Jun 2020 | Redação Erick Pereira: 'Sou contrário à unificação das eleições em 2022'

Crédito da foto: Marcos Garcia/JORNAL DE FATO Advogado Erick Pereira está no Cafezinho com César Santos

Por Maricelio Almeida – Repórter do JORNAL DE FATO

Considerado um dos maiores especialistas em Direito Eleitoral do país, o advogado Erick Wilson Pereira é o entrevistado desta semana da seção “Cafezinho com César Santos”. Doutor em Direito do Estado pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Erick Pereira discorre, na conversa a seguir, sobre a atipicidade do processo eleitoral de 2020.

O advogado comenta, entre outros pontos, a confirmação, pelo TSE, da possibilidade de realização das convenções partidárias de maneira virtual; fala sobre o adiamento do pleito; opina sobre a prorrogação de mandatos e unificação de eleições e sobre o comportamento do eleitor e dos candidatos diante do cenário de pandemia e pós-pandemia.

Dr. Erick Pereira também destaca não haver elementos suficientes para se discutir a cassação de mandato da chapa Bolsonaro/Mourão e analisa o polêmico inquérito das Fake News, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).

De forma genérica, como o senhor enxerga o cenário das eleições de 2020, diante desse contexto tão inesperado?

O cenário é absolutamente de uma imprevisibilidade, nós vivemos essa imprevisibilidade nesse momento. Eu acho que o candidato vai ter que ter um grande desafio em ser criativo, em ousar, em buscar uma comunicação virtual mais forte, que chegue até o eleitor, mas aí nós temos que fazer um registro inicial para o trabalho que está sendo desenvolvido na gestão do desembargador Glauber Rêgo (presidente do TRE/RN). O desembargador tem demonstrado uma responsabilidade muito forte em diminuir essa imprevisibilidade e fazer com que essas eleições caminhem para um cenário de normalidade, de legitimidade, e isso vai ser uma continuidade do que o próximo presidente, que será o desembargador Gilson, ele terá essa facilidade com esse trabalho que vem sendo feito pelo desembargador Glauber Rêgo e que merece o registro. Isso vai trazer mais segurança para aqueles que vão participar do pleito e, sobretudo, para aqueles que estarão escolhendo os próximos mandatários que irão governar o seu município, a sua cidade. A importância dessa organização, com dois grandes desembargadores nessa área administrativa de organização da Justiça Eleitoral no Rio Grande do Norte é que traz essa perspectiva de confiança, de que o pleito transcorrerá normalmente dentro dessas peculiaridades que nós estamos vivendo tão inesperadamente.

 

O TSE confirmou a possibilidade das convenções serem realizadas de maneira virtual este ano. O senhor concorda com esse posicionamento?

Essa possibilidade que o TSE deu agora, quinta-feira passada, para que as convenções sejam realizadas de forma virtual era algo que ninguém acreditava, até pouco tempo se dizia que era impossível, mas esse processo terá que ser feito de forma virtual, e aí o cuidado com que o partido tem que ter, a importância da organização, garantir o máximo de transparência, garantir o máximo de participação, escolher uma plataforma que comporte o maior número de pessoas participando, respeitar as formalidades não só do Estatuto do partido, mas, sobretudo, das resoluções do TSE, que tem um grupo formado agora exatamente pra dizer o mínimo que se deve observar nessas convenções virtuais. Isso tudo é algo real, é algo que deve ser levado muito em consideração, porque qualquer erro que um partido cometer ou qualquer erro formal que exista nessa convenção vai contaminar todas as candidaturas que serão postas nesse pleito eleitoral. Essa realidade que você está vivendo, de ter uma convenção naquelas modalidades cartorárias, que sempre foi feito e, agora você vai tê-la de forma virtual, é algo necessário, porque nós estamos num momento em que realmente está presencialmente é algo absolutamente impossível. O TSE demonstrou que esse pleito vai acontecer, e já começou a buscar soluções tecnológicas para isso.

É cada vez mais real a possibilidade das eleições serem adiadas. Qual seria, na visão do senhor, o melhor caminho a ser adotado? Adiar para o mês de dezembro? Para 2021, por exemplo?

O limite que nós temos hoje não está na área jurídica, nem na área política, o limite para realização dessas eleições vai estar realmente nas autoridades sanitárias. São as informações dessas autoridades sanitárias que vão balizar tanto o Congresso como a própria Justiça Eleitoral, dizendo se haverá algum risco ou se esse risco será eminente de atingir a saúde pública de uma forma geral e, com isso, atingir as eleições. Hoje, temos certeza de que haverá um adiamento dessas eleições. Esse adiamento não depende somente da Justiça Eleitoral, depende também do Congresso, e a possibilidade é de serem 15 de novembro o primeiro turno e 4 de dezembro o segundo. Com relação à prorrogação desses mandatos, eu acho que é algo mais difícil de acontecer. O grande trabalho que está sendo feito é para que haja a prorrogação apenas das eleições e os eleitos sejam diplomados dia 31 de dezembro. Numa hipótese imponderável dessa pandemia realmente tolher qualquer mobilidade, evidentemente, que se terá que passar isso para 2021, mas pelas previsões existentes até hoje, nós vamos ter apenas o adiamento das eleições, mas a diplomação acontecerá até o dia 31 de dezembro.

 

Como o senhor acredita que o processo eleitoral em si, a campanha, se dará?

O processo eleitoral em si eu vejo que nós teremos o novo, vai surgir uma inovação, essa inovação decorre porque você tem a periodicidade e alternância de poder. Então, essa eleição tem uma força muito forte de acontecer esse ano em respeito a essa alternância e a essa periodicidade de quatro anos, na qual tem que ser respeitada. Mas, o político precisa se reinventar, vai ter que inovar no sentido de trazer e de conciliar a sua vivência, o seu pedido de voto junto às redes sociais, as novas plataformas tecnológicas. Eu vejo como uma coisa muito constrangedora imaginar um candidato na rua querendo distribuir panfletos e pedir voto quando naquela casa do eleitor tem pessoas doentes, pessoas sentindo a falta de algum parente, ou pessoas com medo da própria pandemia, do próprio momento, então, não é salutar ter visitas presenciais. As redes sociais serão a grande janela para que as pessoas possam entender, descobrir e procurar saber quem é o melhor candidato, quem é quem, digamos assim, o melhor gestor para que possa gerir a sua cidade através dessa demonstração e desse contato que se tem por esses grandes mecanismos de redes sociais que nós temos hoje. O grande diferencial que vai ter nesse processo eleitoral será o uso realmente efetivo dessas ferramentas sociais virtuais.

Os candidatos então irão encontrar um eleitor diferente no cenário de pandemia ou pós-pandemia?

Você vai ter durante esse cenário de pandemia e pós-pandemia um novo mundo, um novo costume. Você vai ter novas formas de convivência, de trabalho, pessoas com visões diferentes até do conceito de vida; tem pessoas que têm a vida como número, mas tem pessoas que têm a vida como existência, e até esse valor do significado da vida está sendo despertado nesse momento em que nós estamos vivendo, e o candidato precisa comunicar, é preciso se dar importância a esse instante, é preciso se dar importância ao existir, é preciso se dar importância a vida das pessoas. Não vejo como antes você que se tinha uma propaganda tão ostensiva, tão violenta, tão evasiva como era a propaganda de panfletagem, a propaganda em que você fazia algo até que o eleitor não queria. Agora não, vai ter que ter certo respeito com o momento, vai ter que construir uma mensagem em que possa se apresentar à comunidade e, ao mesmo tempo, demonstrar respeito ao momento, ao instante em que essas pessoas vivem, que nós todos vivemos, de tantas perdas de vida como nós estamos vendo no Brasil.

 

A pandemia vai influenciar na escolha do eleitor?

Eu não acredito que a pandemia seja algo que vem influenciar diretamente o eleitor. O eleitor vai estar muito mais preocupado com o seu dia a dia, com seu cotidiano, com a sua cidade em termos estruturais, em termos de educação, saúde, segurança. A pandemia é algo excepcional que ninguém esperava e que ninguém tem resposta, é algo inusitado do qual não se chegou a uma resposta. A grande resposta da pandemia está na descoberta de uma vacina, que pode solucionar o grande problema que nós estamos vivendo e que vai trazer conforto. O resto é mero palpite e, como palpite o eleitor não vai está querendo nem pretendendo encontrar, numa ideia em que você está em conjecturas. O que o eleitor quer saber é quais propostas concretas que podem mudar, por exemplo, até a área sanitária de um país, de uma nação, de uma cidade, é isso que o eleitor quer saber, quais as soluções que você pode dar, e não algo exclusivamente nesse momento tão conturbador que nós estamos vivendo.

Há muitos questionamentos sobre o calendário eleitoral. Algumas etapas já foram cumpridas, não houve adiamento. O senhor acredita que houve prejuízo para o eleitor até aqui?

Os grandes questionamentos que existem com relação ao calendário eleitoral eu costumo dizer que se precisa ter o seguinte em mente: observe esse calendário, independentemente da eleição ser ou não adiada, independentemente de mudar as datas das eleições. A Justiça Eleitoral tem duas grandes características: a celeridade e a preclusão. A celeridade por ser uma justiça que em seis meses um processo é julgado da primeira a última instância; e essa preclusão é o que não lhe permite na hora em que você perde alguma data, perde algum ato, a Justiça Eleitoral não permite que você repita esse ato. Então, se você está no período de desincompatibilização, se desincompatibilize; se está no período das condutas vedadas, não pratique conduta vedada, porque você tem que seguir o calendário que existe hoje, as eleições não foram adiadas ainda, é apenas uma perspectiva de que será anunciado isso. Tem que se observar esse calendário e, quem tem obrigação de observar esse calendário é aquele que vai ser candidato, não é o eleitor. O eleitor só tem a ganhar se essa eleição tiver um período maior, porque é mais tempo de propaganda, vai ser mais tempo de proposta, mais tempo de análise e de pensamento para escolher o que é melhor para sua cidade ou para sua comunidade.

 

O senhor é favorável à unificação das eleições em 2022, como também se discute atualmente?

Eu posso lhe dizer que eu não seria favorável, eu sou contrário à unificação das eleições em 2022 por dois motivos. O primeiro motivo é com relação a temas. São temas distintos. Uma coisa são os temas das eleições presidenciais. A outra coisa é o tema da eleição municipal. Tem-se na ideia do constitucionalismo brasileiro um fortalecimento da democracia quando se especifica na participação do eleitor o que ele vai discutir, e nós não podemos fazer uma unificação com temas tão distantes e tão diferentes. Um segundo motivo é que eu acho que quanto mais eleições existirem, mais se terá um amadurecimento da democracia, porque a democracia amadurece pela participação do eleitor, então, a cada dois anos, nós eleitores participamos de eleições, nós estamos aprendendo cada vez mais a escolher, estamos cada vez mais aprendendo a votar e isso é o que vai fortalecer a democracia. Sem falar da quantidade de candidatos, se já é difícil uma eleição presidencial votar seis vezes, porque tem que escolher presidente, senador, deputado federal, deputado estadual, governador e ainda ter que acrescentar prefeito e vereador, isso vai gerar um tempo enorme na urna, uma confusão de números, o que não seria bom para democracia brasileira.

Na visão do senhor, o TSE tem elementos para encaminhar uma possível cassação da chapa Bolsonaro/Mourão?

Diferentemente daquele grande debate que se teve na chapa Dilma e Temer, hoje não existe elementos suficientes para que se discuta a cassação de mandato da chapa Bolsonaro/Mourão. Não tem ainda elementos de provas suficientes. Se surgirem elementos de provas a partir desses inquéritos e investigações que estão em andamentos no Supremo, aí sim tudo será possível, porque o processo está aberto, está em andamento e o que se espera do Tribunal Superior Eleitoral não é amizade, nem inimizade, não é proteção, nem cassação. Precisa apenas que o Judiciário diga o que é certo e o que é errado na visão de um conjunto probatório que poderá se formar, se esse conjunto probatório se formar aí eu acho que isso será uma grande discussão, mas não agora, uma discussão quem sabe para o próximo ano com relação à existência ou não de elementos mínimos de cassação de chapa.

 

O inquérito das Fake News, no STF, é legítimo? Está legitimado pelas normas internas e da Constituição Federal?

Com relação a esse inquérito, o Supremo Tribunal Federal hoje vive um grande paradoxo, ele não tem mais como retroceder depois de tantas diligências que foram praticadas e de tantos outros inquéritos que foram abertos em decorrência das diligências. A grande crítica que está existindo é que o titular da ação é o Ministério Público, o Ministério Público é quem deveria estar pedindo as diligências, quem deveria estar conduzindo a investigação, o Judiciário apenas analisa o teor de legalidade, de constitucionalidade daquilo que o Ministério Público pede, e isso não está existindo. Está havendo um impulso oficial do próprio Judiciário que irá julgar, no mínimo, isso vai gerar um impedimento do ministro Alexandre de Moraes de julgar, de participar de qualquer ação penal que venha existir em decorrência desse inquérito, mas os fatos são tão graves, há uma profundidade tão forte nessa discussão das Fake News, os robôs que estão usando, e as ofensas à imagem e à honra do Poder Judiciário, que está havendo um consequencialismo, que está se justificando pelo excesso do uso das Fake News. Precisamos ter um Judiciário forte, precisamos ter o respeito ao magistrado, não se imagina uma democracia sem o Judiciário forte, e neste aspecto o Supremo Tribunal Federal é o guardião, a última instância que nós temos para garantir, defender essa democracia brasileira de práticas tão violentas contra a imagem e a honra de muitos políticos, gestores e, sobretudo, magistrados.

Algo mais que o senhor queira acrescentar?

A mensagem final que eu gostaria de mandar é que o eleitor precisa ser realmente o protagonista dessas eleições. Ele precisa ser o grande fiscal dessas eleições. Vamos ter uma eleição virtual, onde as redes sociais serão o imperativo do dia a dia, uma participação presencial mínima, não veremos, talvez, sequer comícios e aí você vai ter que ter um eleitor ativo, participativo para construir essa democracia e fortalecer essa federação brasileira a partir dos seus municípios, de uma forma legítima normal e plural. Vivemos uma ideia de multiculturalismo, em que quem pensa diferente de nós é alguém que está para ajudar na construção da democracia. Não veja aquele que pensa diferente de você como alguém que é seu inimigo, mas alguém que, com opiniões divergentes pode construir uma ideia melhor, um Estado, o Município e uma nação mais fortes. É nessa pluralidade sem ódio, nessa pluralidade com razão que nós podemos avançar e construir efetivamente uma democracia brasileira.

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