Nara Andrade - Editora da revista DOMINGO/JORNAL DE FATO
Em uma declaração corajosa e emocionante, o vereador Pablo Aires (PSB) revelou ter sido vítima de violência sexual durante a infância. O relato foi feito durante a sessão remota da Câmara Municipal, na terça-feira (11). Pablo Aires pediu um aparte durante um pronunciamento da vereadora Carmem Júlia (MDB) sobre abuso sexual infantil. Em sua fala, Pablo Aires alertou para a importância da Campanha de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, alertando que geralmente o abusador é uma pessoa próxima da família ou mesmo um familiar.
DOMINGO conversou com Pablo Aires, que afirmou ter tido coragem para falar publicamente sobre a situação vivenciada na infância, por entender a importância de chamar atenção para o tema, como forma de conscientização para a luta contra a violência sexual e a proteção das crianças.
Durante a sessão do dia 11 de maio, você relatou ter sido vítima de abuso sexual durante a infância. O que lhe motivou a abrir uma parte tão privada de sua vida?
Primeiro, digo que é preciso muita preparação psicológica e emocional para expor o assunto, mas acredito que abordar esse tema, que infelizmente é tão presente na nossa sociedade, é de suma importância para ajudar e apoiar aos que passaram ou passam pelo mesmo. Precisamos ser fonte de apoio para que outras pessoas não silenciem. Confesso que não é decisão fácil expor algo tão íntimo, mas preferi olhar o lado positivo que isso pode trazer.
Em sua fala, você destacou que muitas vezes o abuso vem de pessoas próximas. O abuso sofrido por você partiu de alguém de sua família ou de alguém próximo? Você poderia contar um pouco sobre o que aconteceu com você?
Contar os detalhes ainda é muito difícil pra mim. Eu fui abusado por alguém que era, à época, próximo de mim e da minha família. De dentro de casa mesmo. Depois que ele foi embora, não tivemos mais nenhum contato.
Qual a idade você tinha quando o abuso começou e quanto tempo durou? Em que circunstâncias o abuso ocorria?
Eu tinha entre 05 e 06 anos. Por ser muito novo, não lembro exatamente quanto tempo durou, mas posso dizer que foram vários episódios. Acredito que meses. Como minha mãe trabalhava o dia todo, o abusador aproveitava dos momentos em que eu estava sozinho em casa para empreender essa terrível atitude.
Geralmente, por falta de informação, de orientação, a criança abusada não entende que está sendo vítima de algo tão danoso. Como você se sentia nesse período? Você tinha ideia do que estava acontecendo?
A criança não entende exatamente que se trata de um abuso sexual, sobretudo por nem saber ao certo sobre o que é sexualidade. Mas eu sabia que era algo opressivo, pois me causava medo e vergonha, sobretudo porque eu recebia ameaças, contra mim e minha família, caso revelasse o que estava acontecendo.
Na época você contou para alguém, teve algum tipo de apoio? Ou só agora depois de adulto, entendendo o que lhe aconteceu, pôde realmente buscar ajuda?
Não contei a ninguém. Na época, escondi isso nas mais profundas das minhas lembranças, acreditando que quando o abusador fosse embora o assunto estaria superado. Contudo, essa experiência me atormentou a vida toda. É devastador. Foi então que, aos 16 anos, fiz o primeiro acompanhamento psicológico e consegui contar para minha mãe. Foi um momento ainda mais doloroso, pois minha mãe recebeu isso como culpa dela. Agora, 10 anos depois que falei disso pela primeira vez, é que estou conseguindo tornar público para ajudar outras pessoas.
Você afirmou está tendo acompanhamento psicológico para lidar com o problema. Ter passado por isso lhe deixou traumas? Como esse fato teve impacto em sua vida?
Com toda certeza. São feridas que carrego comigo até hoje. Mas o apoio psicológico, junto da minha família, foi absolutamente essencial pra que eu conseguisse seguir em frente. Levaram anos, mas hoje consigo falar com mais tranquilidade sobre o assunto, principalmente sabendo que pode ajudar a outras pessoas que passam pelo mesmo.
Dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Na sua opinião, qual a importância da data?
É um dia necessário! O debate vem à tona e muitas vezes ganha visibilidade. Mas é importante salientar que só o dia simbólico não é suficiente pra prevenir que esses atos criminosos ocorram. Precisamos de uma maior rede de suporte psicológico nas escolas públicas para que as crianças sejam educadas sobre o assunto e se sintam seguras para falar. Na verdade, precisamos fortalecer toda a rede de proteção à criança e ao adolescente.
Na sua visão, o que é preciso fazer para ajudar as crianças vítimas desse problema, e evitar que novos casos aconteçam?
O primeiro passo é superar esse tabu. Muitas vezes, a vítima se sente envergonhada pelo crime que sofreu. É uma disfunção social que infelizmente acontece. No meu caso, por exemplo, ao expor essa triste experiência, algumas pessoas ainda levantaram questões, como desacreditar da história, tratar como algo natural ou indiferença... Isso machuca e faz com que muitas pessoas que passaram por isso escolham não falar sobre. Precisamos educar as famílias e preparar o ambiente escolar para identificar esses casos. Além disso, ter maior rigor nas investigações e punição dos criminosos é fundamental.
Como autoridade pública, o que você tem feito ou pretende fazer para proteger essas crianças em situação de vulnerabilidade?
O primeiro passo é falar abertamente sobre o assunto. Abusos em geral, não apenas a violência sexual, costumam ser colocados para debaixo do tapete, seja por qual, das inúmeras razões que podem ser, for. A violência sexual fere o mais íntimo do ser humano, então falar sobre o assunto publicamente é um passo para trazer visibilidade para o tema. Nossa ideia é conhecer mais de perto toda a rede de proteção à criança e ao adolescente para entender quais as principais disfunções do sistema. Nosso mandato também lutará pela implementação do atendimento de psicologia e serviço social na educação básica do nosso município. Acredito que assim será possível identificar mais casos de violação aos direitos da criança e do adolescente.
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