Por Fábio Vale / Repórter do JORNAL DE FATO
Quase 13 mil pessoas foram assassinadas com uso de arma de fogo no Rio Grande do Norte entre os anos de 2009 e 2019. O dado também é do Atlas da Violência 2021, mais recente publicação da série do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
O levantamento mostra que foram 12.892 homicídios por arma de fogo no estado neste período de 11 anos. Segundo a publicação, foram 620 casos no território potiguar em 2009; 611 em 2010; 788 em 2011; 856 em 2012; 1.149 em 2013; 1.314 em 2014; 1.238 em 2015; 1.569 em 2016; 1.927 em 2017; 1.639 em 2018; e 1.181 em 2019.
Conforme o estudo, de 2009 para 2019 o aumento de homicídios por arma de fogo no RN foi de 90,5%. Já entre 2014 e 2019, houve uma redução de 10,1% e uma queda de 27,9% entre 2018 e 2019. Na taxa percentual, o crescimento foi de 70,4% entre 2009 e 2019; e de diminuições de 12,6% e de 28,5%, respectivamente, entre 2014 e 2019 e entre 2018 e 2019.
Estudo analisa prós e contras da flexibilização do acesso às armas de fogo
O Atlas da Violência 2021, mais recente publicação de 108 páginas acerca do tema, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), lançado em agosto de 2021, traz um capítulo sobre armas de fogo.
A publicação pontuou que nos últimos anos a discussão sobre a flexibilização do acesso às armas de fogo ganhou evidência no Brasil com a ascensão de grupos políticos conservadores da extrema direita e lembrou que, desde 2019, já foram editados mais de trinta instrumentos, dentre os quais se destacam decretos, portarias e projetos de lei que objetivam ampliar o acesso da população às armas e munições.
O estudo mencionou que argumentos apresentados pelos armamentistas em defesa da propriedade, porte e posse de armas de fogo, incluem pontos como 'o acesso à arma é um direito de liberdade'; 'a lei (o Estatuto do Desarmamento) reduz a proteção dos cidadãos'; 'armas trazem proteção'; e o argumento de que 'o problema são apenas as armas ilegais'. Em seguida, a publicação faz a ressalva de que "todo direito é relativizado ante o direito de terceiros e o direito à saúde e à segurança coletiva" e vai rebatendo, com argumentos fundamentados até em dados, os quatro pontos elencados anteriormente.
A pesquisa destaca que ao mesmo tempo em que os brasileiros estão observando a ampliação do acesso às armas de fogo, um recente estudo nacional do FBSP dá conta de um "aumento de 4% nas mortes violentas intencionais no país em 2020", tendo sido registradas 47.742 mortes violentas intencionais em todo Brasil em 2019 e 50.033 em 2020.
RN tem taxa de 33,7 homicídios por armas de fogo por 100 mil pessoas em 2019 e 87,7% dos crimes com uso desse instrumento
O levantamento do Atlas da Violência 2021, mais recente publicação da série do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), mostra que, em 2019, o Brasil computou 14,7 assassinatos por armas de fogo por 100 mil habitantes.
Dentro desse cenário nacional, 16 estados do país evidenciaram taxas acima da média do território brasileiro. Segundo o estudo, a maior taxa ocorreu no Rio Grande do Norte: 33,7 homicídios por 100 mil pessoas residentes. Na sequência se destacaram, com as mais elevadas taxas: Sergipe (33,5), Bahia (30,9), Pernambuco (28,4) e Pará (27,2). As menores taxas foram registradas em Minas Gerais (8,9), no Distrito Federal (8,5), no Mato Grosso do Sul (7,8), em Santa Catarina (5,3) e em São Paulo (3,8).
Quanto à proporção de homicídios cometidos por armas de fogo no total dos assassinatos, em 2009, do total de homicídios que aconteceram no país, 71,2% foram praticados com o emprego de armas de fogo. Em 2019, esse percentual caiu para 67,7%. Ainda de acordo com a publicação, nesse referido ano, onze estados computaram percentuais de assassinatos cometidos com uso de armas de fogo acima da média nacional, com destaque para: Rio Grande do Norte (87,7%), Sergipe (79,2%), Ceará (78,6%), Pernambuco (78,1%) e Paraíba (75,8%).
Os menores percentuais foram constatados no Distrito Federal (53,5%), em São Paulo (51,8%), em Santa Catarina (49,7%), no Mato Grosso do Sul (44,0%) e em Roraima (35,5%).
Advogado avalia que novas medidas de acesso a armas de fogo “são inconstitucionais”
Para o advogado e professor de Direito Penal e Processo Penal, Victor Lobato, as novas medidas anunciadas pelo Governo Federal no que se refere ao acesso a armas de fogo “são inconstitucionais”. Ele também destaca que a grande maioria de homicídios é praticada com armas ilegais e não com as legalizadas.
A reportagem do Jornal DE FATO conversou com Victor Lobato, que também é vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RN. Ele explicou que as novas medidas consideradas mais restritivas na chamada política de flexibilizacão de acesso a armas de fogo são inconstitucionais. “Suspende, por decreto, questões e atividades que são matérias previstas em lei (10.826/03)”, pontuou.
“No que tange às diferentes políticas, a nova está eivada de falta de conhecimento técnico sobre o assunto, o que trará caos ao setor e forte desemprego, com fechamento por inanição, de clubes de tiro, lojas que vendem armas e/ou materiais usados no esporte do tiro”, avaliou o advogado e professor de Direito Penal e Processo Penal.
Victor Lobato disse também que apesar de ser fato que o número de homicídios com armas de fogo no país é alto, de 2019 para cá, o país vive uma queda recorde de quase 30% desses crimes. “Vivemos a maior queda de homicídios em 40 anos (Fonte DATASUS). No mesmo período, o país teve um aumento de 300% de novas armas registradas, coincidindo com a expressiva queda nas mortes por armas de fogo, demonstrando que não há relação entre ‘mais armas legais, mais crimes’”, afirmou em resposta a questionamento da reportagem que citou que recorrentes levantamentos nacionais, como os do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontam que a grande maioria de homicídios no país é praticada com uso de arma de fogo.
“Ademais, é importante destacar que esses homicídios são praticados com armas ILEGAIS, no qual o governo não faz a mínima questão de buscar retirar de circulação. As mortes por armas legais correspondem a menos de 0,01%. A Polícia Federal estima que para cada 1 arma legal, entram 4 ilegais no país. Armas essas (ilegais) que correspondem a 99,99% dos crimes e homicídios”, asseverou o vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RN.
A reportagem também perguntou ao advogado e professor quais medidas deveriam ser adotadas pelo poder público e pela sociedade civil em busca de uma política considerada mais ideal em relação ao acesso a armas de fogo. “Permitir que o cidadão possa ter arma. Os países mais armados do mundo estão na lista dos países mais pacíficos do mundo. Criminosos não compram armas legalmente”, ressaltou Victor Lobato.
“Até porque, não vai registrar uma arma no seu nome e endereço. Já em contrapartida, numa sociedade mais armada o que se vê é uma diminuição da criminalidade, tendo em vista que o criminoso passa a evitar o contato e enfrentamento com a vítima e muda o modus operandi do crime. Os criminosos evitam abordar vítimas por não saberem se estão armadas e passam a praticar crimes em que não se tem contato com vítimas, como furtos”, acrescentou ele, mencionando que tais dados são facilmente vistos nos estudos publicados sobre crimes e armas pelo FBI, livros e outros artigos científicos sobre o assunto.
Ministro da Justiça, Flavio Dino (foto: Valter Campanato / Agência Brasil
Governo federal inicia “reestruturação da política de controle de armas no Brasil”
No primeiro dia de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto que dá início a um processo denominado, pelo próprio Governo Federal, de “reestruturação da política de controle de armas no Brasil”. Segundo a União, a medida “tem o objetivo de ampliar a segurança da população brasileira”.
O decreto que entrou em vigor no último domingo, 1º de janeiro, reduz o acesso às armas e munições e suspende o registro de novas armas de uso restrito de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). A medida também suspende as autorizações de novos clubes de tiro até a edição de nova regulamentação.
“O documento condiciona a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade. Anteriormente, bastava uma simples declaração. E determina o recadastramento no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, em 60 dias, de todas as armas adquiridas a partir da edição do Decreto n° 9.785, de 2019”, detalhou material divulgado pela Comunicação do Governo Federal.
Entre as restrições estabelecidas estão a proibição do transporte de arma municiada, a prática de tiro desportivo por menores de 18 anos e a redução de seis para três na quantidade de armas para o cidadão comum, entre outras. Pelo decreto, o presidente determinou também a criação de um grupo de trabalho que terá 60 dias para apresentar uma proposta de nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento.
Ainda segundo a União, o decreto é uma das primeiras ações do novo governo. “Ele muda regras, muda a facilidade de acesso. Algumas já imediatas. As armas podem existir, mas neste momento em que vivemos, em termos de políticas públicas, o correto é estarem nas mãos das forças armadas e policiais, além de forças institucionais. O ‘liberou geral’ que vai ser revertido”, destacou o novo ministro da Justiça e Segurança Público, Flávio Dino.
Tags: