Por Fábio Vale - Repórter do Jornal de Fato
"Onde estão os 27 presos desaparecidos na rebelião de 2017?". A pergunta que, passados mais de sete anos, ainda permeia o pensamento de amigos e familiares de um grupo de detentos do maior presídio do Rio Grande do Norte, é a mesma que move o Ministério Público Federal (MPF) a reafirmar o mesmo questionamento.
O órgão voltou a chamar a atenção para a cobrança pela localização dos quase 30 detentos que sumiram desde o violento motim ocorrido em janeiro de 2017, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal. Em material divulgado nesta terça-feira (10), o MPF lembrou que o fato, que na época deixou 26 presos mortos, também resultou em 27 detentos sobre os quais o poder público não tem informações.
O MPF destaca que foram 14 dias de uma rebelião que ficou marcada pela violência entre facções e a morte de, pelo menos, 26 detentos. "O 'pelo menos' se deve à incerteza quanto ao falecimento, ou não, de outros 27 que simplesmente desapareceram dos registros do presídio", detalhou o órgão em material disponibilizado ontem, informando que para que essa incerteza deixe de existir, o MPF enviou uma recomendação à União e ao estado do Rio Grande do Norte.
O documento, de autoria do procurador da República Fernando Rocha, cobra que os governos federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, e estadual, a partir da Secretaria da Administração Penitenciária, localizem as pessoas que ainda estão oficialmente desaparecidas desde a rebelião de 2017.
O MPF requer ainda que o poder público mantenha contato contínuo e transparente com os familiares dos desaparecidos; utilize depoimentos de testemunhas, imagens de câmeras de segurança e informações da comunidade local para obter pistas; trabalhe em conjunto com instituições como a Defensoria Pública, Ministério Público e órgãos de segurança; bem como promova testes de DNA caso sejam encontrados restos mortais ou evidências de crimes.
Tudo isso, conforme o MPF, para descobrir o paradeiro dos que ainda não foram encontrados e evitar novos desaparecimentos.
MPF estabelece que sejam adotadas medidas preventivas e de reparação
Além disso, o MPF estabelece que sejam adotadas medidas preventivas e de reparação. Dentre as ações de prevenção recomendadas estão a criação de um plano de resposta imediata a rebeliões; um sistema de registro eficaz de todas as movimentações dos detentos; mobilização de equipes especializadas para varreduras e buscas; uso de câmeras de segurança, drones e outras tecnologias de monitoramento; e investigações coordenadas com a polícia e órgãos de direitos humanos.
Já como política de reparação, se não for possível localizar os desaparecidos, a União e o estado do Rio Grande do Norte devem, de acordo com o MPF, responsabilizar-se por indenizar as famílias, “reconhecendo a omissão ou falhas no controle e proteção dos detentos sob sua custódia, além emitir relatórios públicos detalhados sobre o andamento das investigações, os esforços de busca e as medidas adotadas”.
O MPF relembrou que a rebelião de 2017 envolveu presos pertencentes a grupos criminosos rivais – Primeiro Comando da Capital (PCC), de origem paulista, e Sindicato do Crime, de origem potiguar – e foi parte de uma onda de violência nacional ligada à guerra entre facções. O órgão relata que, na ocasião, os corpos de 26 presos foram encontrados em condições de extrema brutalidade, não havendo certeza em relação aos demais desaparecidos.
Para o MPF, em meio à violência, à superlotação e à falta de controle dentro da penitenciária, as facções criminosas impuseram sua própria forma de justiça, resultando em mortes, mutilações e ocultação de cadáveres, o que dificultou a identificação e a contabilização exata das vítimas. O órgão ressalta que vários presos foram dados como desaparecidos, alguns até já foram recapturados, mas até o momento não se tem informações conclusivas sobre o paradeiro de 27 deles, mesmo após diligências realizadas pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e a Defensoria Pública da União (DPU).
“No caso da rebelião de Alcaçuz, a omissão na apuração e identificação de presos desaparecidos durante e após o conflito é uma violação dos direitos humanos desses indivíduos e de suas famílias, que seguem sem respostas adequadas do Estado sobre o paradeiro de seus entes queridos, agravando o sofrimento e perpetuando a impunidade“, frisou o procurador Fernando Rocha. Para ele, caso a omissão persista, o Brasil pode estar sujeito a novas sanções e condenações internacionais, tanto na esfera da Corte Interamericana quanto em outros fóruns de direitos humanos.
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