Fábio Vale/Repórter Jornal DE FATO
Você já mandou ou recebeu um nudes? A prática de compartilhar imagens íntimas tem se tornado um comportamento cada vez mais comum em todo o mundo. Mas, apesar de muitas pessoas ainda não se darem conta dos riscos envolvidos em atitudes desse tipo, o envio ou o recebimento de fotos ou vídeos de conteúdo sexual também pode vim cercado de perigo.
Uma das principais dor de cabeça que pode estar acompanhada da prática de enviar e receber nudes é a extorsão, que envolve o ato criminoso de obrigar alguém a tomar um determinado comportamento, por meio de ameaça ou violência, com a intenção de obter vantagem, recompensa ou lucro. No cenário de divulgação de imagens íntimas, o delito é conhecido como sextorsão.
Para entender melhor o assunto, a reportagem consultou o delegado de polícia civil do estado do Piauí, Alesandro Gonçalves Barreto. Em contato através de e-mail, Barreto sugeriu recorrer à um artigo escrito por ele sobre o tema. Intitulado “Sextorsão e os riscos do compartilhamento de conteúdo íntimo”, o texto de seis páginas publicado no portal Migalhas, alerta inicialmente que as inovações tecnológicas vêm sendo utilizadas pelos criminosos no incremento de suas ações.
Ele pontua que nesse contexto, insere-se o delito de sextorsão. “O criminoso, através da utilização de um perfil fake e farta engenharia social, faz a abordagem ao usuário de internet, convencendo-o enviar imagens ou vídeos íntimos. Passo seguinte exige vantagem indevida para não divulgar o conteúdo para amigos e familiares daquela”, explica, acrescentando que essa modalidade traz novos desafios na atribuição da autoria e materialidade delitiva.
“Nesse sentido, a investigação policial dessa modalidade criminosa necessita de atuação oportuna da autoridade policial, desde a preservação até as medidas para exclusão das contas utilizadas para extorsão e de outras vinculadas ao criminoso. Noutra banda, uma navegação segura por parte dos usuários é medular para reduzir as possibilidades de ser alcançado por esse golpe”, avalia Barreto, citando que que são diversos os casos relatados de extorsão sexual praticados na internet, principalmente nos últimos anos.
O delegado e estudioso no assunto destaca que os criminosos “utilizam-se de uma infinidade de aplicações de internet disponíveis para abordar, desde plataformas voip e, principalmente, redes sociais, sites de relacionamentos e de compartilhamento de pornografia para tentar alcançar um maior número de vítimas. Agem de forma global no ambiente cibernético, como se estivesse numa caçada no mundo real, procurando as presas desatentas”. Barreto afirma ainda que a vítima tende a transmitir conteúdo íntimo, depois que adquire uma certa confiança.
“De posse do material íntimo, o infrator passa a exigir da vítima o depósito de valores a serem pagos por criptomoedas ou de transferências internacionais, caso contrário divulgará o conteúdo obtido para ou grupo de amigos nas redes sociais e disponibilizará em sites de compartilhamento de conteúdo íntimo. Serve-se, de quando em vez, das informações livremente disponíveis para atemorizá-la, tais como: local de trabalho, profissão, familiares e amigos mais próximos”, detalha ele.
Delegado aponta dificuldades na atribuição de autoria do delito
O delegado esclarece que em casos de sextorsão existem dificuldades na atribuição de autoria do delito e que a investigação desse tipo de crime perpassa por grandes desafios, como o fato de à princípio, a vítima geralmente evitar procurar a polícia para denunciar o fato. Barreto atribui esse comportamento à fatores como vergonha e receio de exposição.
“Por conseguinte, recomendamos que esta procure a delegacia mais próxima para proceder ao registro de ocorrência. Seja nele ou no termo de declarações, o investigador deve colher elementos indicadores sobre: dia e hora da prática criminosa; narração detalhada dos fatos; redes sociais ou outras plataformas utilizadas pelo agressor e vítima com dados individualizadores (url, username, ID, conta de e-mail, etc..), formas de pagamento exigida e; contas de e-mail indicadas pelo agressor, dentre outras”, orienta ele.
O delegado explica que em crimes assim a polícia deve atuar celeremente na preservação de evidências virtuais, evitando que elementos informativos sejam perdidos e venham a dificultar na elucidação do fato. “De modo igual, compartilhar fotos e vídeos íntimos com desconhecidos resultará em problemas futuros para aquele que o fez. De tempos em tempos, esse envio de material até mesmo para parceiros (as), ocasionará transtornos por sua difusão não autorizada em sites de conteúdo íntimo, redes sociais e aplicativos de mensageria”, afirma ele em tom de aviso, recomendando a evitar compartilhar conteúdo íntimo com quer que seja.
“Ademais, quando o criminoso lograr êxito na obtenção de conteúdo, procure de imediato a delegacia de polícia mais próxima para dar conhecimento do fato com todos os dados relevantes para o início da investigação. Ademais, não pague nenhum valor exigido, eis que, seguramente, o infrator irá reiterar sua conduta com a exigência de quantias mais elevadas”, enfatiza, finalizando que essa prática delitiva traz prejuízos financeiros e emocionais imensuráveis às vítimas.
Professor de Direito da Ufersa relaciona prática à estupro virtual
O professor de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido em Mossoró (UFERSA), Rodrigo Vieira, explica que juridicamente falando, sextorsão é um neologismo para se referir a um tipo de prática do crime de extorsão, mas, que se relaciona com outras modalidades de violência sexual praticadas na, ou por meio da, internet, como a pornografia de vingança, a exposição pornográfica não consentida, registro de intimidade sexual não autorizado e estupro virtual.
Ele diz que o crime pode ser cometido através da violação da privacidade da vítima com a invasão de algum dispositivo informático, ou por meio da simulação convincente de que o autor tem em sua posse dados pessoais relevantes que pretende expor e compartilhar, a fim de praticar chantagem ou ameaça com intuito de obter vantagem financeira ou de natureza sexual.
“Em troca, o autor do crime sempre oferece a preservação do sigilo. Se o constrangimento da vítima resultar em prática de atos libidinosos contra sua vontade, há crescido entre os juristas de que se estaria diante de estupro virtual, muito embora não haja decisões judiciais que consolidem este entendimento”, analisa Vieira, que também é vice-coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD/UFERSA) e investigador visitante em estágio Pós-Doutoral na Universidade de Coimbra, em Portugal.
O professor reforça que as vítimas podem ingressar no Poder Judiciário com ações de reparação por danos materiais e morais ocasionados pelos agressores. Ele orienta a vítima a registrar o máximo possível de informações, como prints de conversas, mensagens com ameaças, gravações de ligações telefônicas, e endereço eletrônico de onde o material ilícito foi compartilhado (URLs).
“Essas provas podem ser certificadas por ata notarial do tabelião em cartório, não obstante a lei não obrigue a vítima a fazê-la”, esclarece, chamando a atenção para a necessidade de procurar a polícia e registrar um Boletim de Ocorrência; além de, sob a orientação de um (a) advogado (a), também requisitar que seja instaurado inquérito. O professor ressalta que o assunto é relativamente novo, “o que leva um tempo para que haja a consolidação de entendimentos nos tribunais sobre a aplicação desses tipos penais relativos à violência sexual na internet”.
Para ele, é necessário que os Estados criem delegacias especializadas em crimes cibernéticos para dar maior eficiência a inquéritos e investigações, sobretudo para munir o sistema de inteligência de ferramentas que permitam a identificação dos agressores. “Como as maiores vítimas são mulheres e a prática desses crimes é constrangedora para elas em todos os sentidos, seria ideal que o sistema de justiça possuísse uma estrutura de acolhimento onde elas não se sentissem julgadas. Afinal, são vítimas da misoginia e do machismo, não podem ser transformadas em rés”, finaliza.
Psicóloga diz que a sextorsão abala o comportamento psicológico e social das vítimas
“Falar sobre a sextorsão é adentrar no campo do constrangimento, ameaças, conteúdos pornográficos que nos remete a um certo estupro virtual”. A declaração é da Psicóloga Clínica, Carla Raquel de Sousa Saraiva, que atua em Mossoró. Ela avalia que essa modalidade criminosa abala o comportamento psicológico e social das vítimas.Para a psicóloga, no estupro virtual a vítima sente-se violentado psicologicamente ou emocionalmente. Ela lembra que, segundo a Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06, a violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento.
“O indivíduo que sofre essa exposição traz consigo variados sentimentos como culpa, vergonha, constrangimento e até mesmo de uma certa responsabilização por ter se permitido filmar ou fotografar. Traz também um impacto negativo de desapropriação do seu corpo, uma vez que perde o controle de até onde esta imagem pode chegar. Podendo então desenvolver transtorno mental de estresse pós-traumático e de personalidade que acabam desencadeando uma possível ansiedade ou até mesmo depressão, levando este a chegar no seu limite e cometer suicídio”, analisa.
Ela lembra que, além de afetar o campo psicológico do indivíduo, esta situação traz consigo os olhares julgadores da sociedade que aponta e culpa a vítima diante dessa situação de fragilidade. “A vítima acaba sendo vista como um ser irresponsável, inconsequente, imoral e isso contribui mais ainda para o seu agravamento psicológico e físico, onde este não sente-se seguro para se abrir com amigos, familiares e até mesmo advogados, médicos e psicólogos que possam lhe ajudar e auxiliar nesse momento”, reflete.
A psicóloga avalia que como cada indivíduo tem sua funcionalidade e singularidade, trabalhar a problemática em terapia vai de acordo com a abertura do indivíduo e o modo como enxerga tal situação. Ela orienta que é importante procurar conversar abertamente com amigos e familiares que possam ajudar. A especialista pontua que fatores sociais, familiares, históricos, e econômicos podem contribuir para levar alguém a praticar a sextorsão.
“Parando para pensar sobre, dentro do contexto psicológico, alguém que busca praticar esse tipo de ameaça, muitas vezes fala mais sobre ele, sobre as suas questões como uma certa insegurança pessoal, do que o outro que esta ameaçando”, reflete ela, asseverando que o indivíduo tem de ter consciência das escolhas e das consequências delas.
Material publicado na edição impressa deste domingo (28) do jornal DE FATO.
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